Dívida de Passos à SS: podia a Administração aceitar regularização da dívida prescrita?

Passos Coelho, apesar dos seus esforços desesperados, não consegue justificar a sua inadmissível conduta, ao não pagar as suas contribuições à Segurança Social. Não chega subir o tom e fazer voz grossa, ainda por cima para dizer que “muitas vezes” não cumpriu as suas obrigações contributivas. Se a gravidade da situação é evidente, já alguns aspectos são muito pouco claros. Como foi hoje abordado numa reportagem no jornal Público, além de tudo o resto, subsistem fortes dúvidas sobre a regularização apressada que Passos Coelho garantiu nos últimos dias. Não se trata apenas de perceber como o valor regularizado correspondeu apenas a uma parte da dívida, mas também a própria legalidade da regularização. Podia Passos Coelho regularizar a sua dívida já prescrita? A legislação parece indicar que não.

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O pagamento de contribuições prescritas está previsto na legislação, nomeadamente no artigo 254º do Código Contributivo. Esta norma prevê que este tipo de regularização só pode ocorrer nas situações em que “à data da prestação de trabalho, a actividade não se encontrar obrigatoriamente abrangida pelo sistema de segurança social”. Ou seja, apenas nos casos em que, no momento em que a dívida foi contraída, o trabalho que era desempenhado não determinava o enquadramento no regime de contribuições. Ora, pelos dados que foram revelados, tudo parece indicar que não é assim: a actividade do contribuinte Pedro Passos Coelho estava enquadrada como trabalho independente, o que implica a sua inscrição no regime contributivo destes trabalhadores. Aliás, o facto de ser devedor é uma forte indicação de que estava inscrito no regime. O problema não foi não estar inscrito; o problema foi não ter pago as suas contribuições.

Pedro Passos Coelho e Pedro Mota Soares deveriam explicar com detalhe toda esta situação. Afinal, que pedido fez o primeiro-ministro aos serviços? E que resposta obteve? Qual a justificação para ter sido possível proceder à regularização de dívidas já prescritas? Em que norma se basearam os serviços para deferir o suposto pedido do primeiro-ministro? Que juros foram considerados, tendo em conta que a regularização está a ocorrer mais de uma década depois do incumprimento? As respostas a estas perguntas são essenciais, até porque esta regularização permite ao contribuinte Pedro Passos Coelho beneficiar de todas as vantagens que resultam da actualização da sua carreira contributiva.

O ministro Pedro Mota Soares, que veio tão rapidamente defender o primeiro-ministro, tentando branquear o seu incumprimento referindo-se a um suposto “erro da Administração”, tem agora de esclarecer a conduta dos serviços pelos quais é responsável. E o primeiro-ministro tem a obrigação de deixar de se refugiar na retórica, prestar os esclarecimentos que se exigem e assumir as suas responsabilidades. Todas as dúvidas que persistem apenas tornam esta situação ainda mais grave e incompatível com os cargos que estes responsáveis ocupam.

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