Investimento nacional em Ciência em 2016: o país como um todo investiu mais, mas o Estado investiu menos. Porquê Sr. Ministro?

Uma notícia desta 2ª feira no jornal Público anuncia no título que “Portugal volta a aumentar investimento em ciência depois de seis anos de quebra”. A notícia tem como base dados provisórios publicados recentemente pela Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), no âmbito do Inquérito ao Potencial Científico e Tecnológico Nacional, que mostram um investimento nacional em Investigação e Desenvolvimento (I&D) no ano de 2016 de 1,27% do PIB. Isto significa um aumento em relação ao ano anterior de apenas 0,03%. O jornalista classifica esta variação de “aumento ligeiro”, mas trata-se na verdade de uma estagnação, dado o valor em causa. Mesmo assim, é certamente preferível a uma redução, como era habitual nos anos da Troika e de Passos Coelho (de 1,60% do PIB em 2010 passámos para 1,24% em 2015); mas que estamos perante uma enorme desilusão do atual Governo no que concerne ao investimento na Ciência, isso é insofismável.

Já em relação ao número de investigadores e total de recursos humanos em atividades de I&D, aí sim existe uma evolução bastante positiva, com um aumento de 0,5 e 0,6 por mil da população ativa em relação a 2015, respetivamente (7,9 e 9,8 vs. 7,4 e 9,2 por mil em 2015). Resta saber quantos destes investigadores detinham um contrato de trabalho. Será com certeza um número ainda muito longe do desejável, dada a reduzida aplicação do novo regime legal para o emprego científico (DL57/2016 e Lei 57/2017).

Voltando ao investimento nacional em I&D, este resulta, naturalmente, da combinação do investimento público e privado. Será que a estagnação de 2016 se deveu a uma retração do investimento privado? Não, muito pelo contrário até. Como a notícia refere, dos 114M€ de aumento de investimento, que derivam do aumento do PIB em 2016, mais de 90M€, ou seja quase 80%, resulta do contributo do setor privado. Ou seja, o setor público está a ter um desempenho muitíssimo abaixo daquele do setor privado nesta matéria, mesmo com um Governo, já com ano e meio de mandato, que assegurou aumentar o investimento em Ciência, inclusivamente através de declarações recentes do Primeiro-Ministro. Curiosamente, o que a notícia do Público não refere é que o investimento público (Estado + Ensino Superior) em I&D em % do PIB não só estagnou como pode mesmo ter caído em 2016, se bem que marginalmente (de 0,65% do PIB em 2015 para 0,64% em 2016, correspondendo a uma redução do peso do setor público no investimento nacional total de 52% para 50%). Como se explica esta estagnação, ou mesmo queda, durante 12 meses de vigência do atual Governo?

Infelizmente, seja através de cativações, seja por causa do acordo celebrado em 2016 com um número alargado de Instituições do Ensino Superior (ao qual os principais Politécnicos não aderiram), o atual Governo deixou Portugal cair para o último lugar da OCDE em matéria de investimento no Ensino Superior (0,8% do total do OE). A mesma estagnação que se verifica com o investimento no Ensino Superior fica agora patente na área da Ciência com os dados publicados pela DGEEC.

O Ministro Manuel Heitor, que terá sido ouvido para esta notícia, aponta o objetivo de 2,15% do PIB para I&D em 2022. Porém, não parece ter havido qualquer interesse em confrontar o Sr. Ministro com algumas questões óbvias em função destes números, como por exemplo:

1)      Como se explica um crescimento do volume de investimento público em I&D no ano de 2016 quase 4x menor que o crescimento do investimento privado?

2)      Como se explica que o investimento público em I&D em % do PIB tenha caído num ano em que o OE, elaborado pelo atual Governo, previa um aumento de despesa de 4% para a Ciência e Tecnologia?

3)      Porquê a baixa execução do OE 2016 destinado à Ciência? Por causa de cativações? Se sim, quais os alvos dessas cativações? São elas a causa do atraso nos pagamentos das bolsas de Doutoramento e Pós-doutoramento do concurso de 2016?

4)      Como vamos atingir 2,15% do PIB para I&D em 2022 se o investimento público em Ciência estagnou em 2016, apesar do OE prever um aumento de verbas? Vamos continuar dependentes do aumento do investimento privado, ou consegue o Sr. Ministro garantir que a estagnação do investimento público em 2016 não se vai repetir em 2017 e anos seguintes?

É importante obter respostas cabais para estas perguntas, para que a comunicação social não se limite a transmitir as aparentes boas notícias que os Ministérios querem divulgar – e que neste caso disfarçam a péssima notícia da estagnação do investimento público em I&D em 2016.

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