1. Escrevo esta página no emprego, num intervalo do trabalho, usando os meios do patrão para fazer o que não entra nos cálculos dele como “produção”.

2. Quando trabalhamos não produzimos apenas bens, serviços, mercadorias e… alienação. Também “produzimos” outras relações humanas não quantificáveis nem mercadorizáveis (mesmo no local de trabalho, mesmo durante a produção dominada de mercadorias). Também produzimos outro pensamento e outra acção e outras coisas que contrariam as máximas de quem compra e vende força de trabalho – lucro máximo, máxima produtividade, eficiência máxima, máxima acumulação…

3. Eles compram e vendem força de trabalho – mas não nos compram a força toda. Há mais vida para além da necessidade material imediata que empurra milhares de trabalhadores para empregos precários ou sem contrato (é o meu caso – acordo “apalavrado” e de prazo incerto), ou com contratos a prazo, sujeitos a níveis de exploração definidos arbitrariamente, ou melhor, calculados com “sabedoria” pelos patrões ao sabor das suas necessidades – e apenas das suas – não das nossas, não das necessidades de cada um, nem das necessidades de todos.

4. Eu posso por exemplo subverter o uso das máquinas e usar para outra coisa este computador que está a “gastar” (embora seja irrelevante este pequeno gasto para o patrão, é certo) e posso usar o meu trabalho que o empregador paga (mal), posso usá-los para uma produção emancipadora.

5. Neste computador eu estou a pensar como dar a volta à minha exploração (quanto me roubam), estou a reflectir sobre o meu trabalho e as minhas necessidades. É um momento pequeno, que vai já acabar – tenho de produzir outras coisas já a seguir – essas sim, indispensáveis para o patrão. Estou ainda numa resposta individual, momentânea, à minha situação. Mas as necessidades são uma questão política, social e colectiva, para além de serem feitas de escolhas e necessidades individuais e considerações subjectivas.

6. Voltar a pôr a questão das necessidades (colectivas) parece-me urgente. O que queremos? Produzimos o quê, para quê? E para quem, se é apertar o cinto o que continuam todos a dizer que é o que temos de fazer – dos ministros aos FMIs, passando pelo Belmiro – que é o dono da empresa onde trabalho.

7. Temos de vencer ideias feitas e denunciar mentiras (“se fores bom, vences na vida” ou “se trabalhares muito, vais ter sucesso”, ou “só a competição aumenta a produtividade”), tanto como temos de vencer os “naturalmente” baixos salários e a “inevitável” precarização dos vínculos laborais. Não são naturais nem inevitáveis.

8. É preciso exigir trabalhar menos e não mais, pondo em questão o que queremos e o que estamos dispostos (ou não) a aceitar – as necessidades que temos, que apontam para os direitos (novos ou antigos) que exigiremos. A transformação do mundo (e das necessidades também, ao mesmo tempo) exige essa acção e discussão aberta e colectiva sobre o que já precisamos.

9. Esse trabalho é indispensável – é aqui que entra a acção política que podemos fazer contra a política da simples “gestão” do capital e da sua acumulação nas mãos de poucos. Essa luta terá provavelmente hoje de ser em grande medida “precária” e experimental, mas também colectiva, aberta, inventiva e combativa. E passa por pensar e praticar já, quotidianamente, outra produção – a da nossa própria emancipação, no trabalho e na vida. Essa libertação já começou.

10. Por isso escrevo esta página no emprego, num intervalo do trabalho, usando os meios do patrão para fazer o que não entra nos cálculos dele como “produção”.


Pedro Rodrigues
Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather