9 respostas ao que muda nas contribuições e direitos dos Recibos Verdes

O anúncio da alteração do regime de contribuições dos trabalhadores a recibos verdes é uma notícia com grande impacto para centenas de milhares de pessoas. Ainda esperamos pela versão final da legislação, mas é uma alteração profunda e que será um grande avanço, como afirmámos aquando divulgação. Uma vez que se trata de uma mudança ampla e as regras da Segurança Social suscitam sempre muitas dúvidas a quem trabalha a recibos verdes, partilhamos aqui respostas rápidas a algumas questões

  1. Por que é que esta alteração é boa para os trabalhadores?

Por várias razões. A mudança é profunda e introduz uma nova orientação nos aspectos que são mais importantes, tanto nas regras das contribuições como no acesso à protecção social.

A lógica do regime actual é injusta e muito penalizadora para a larga maioria dos trabalhadores a recibos verdes: contribuições com base no que se ganhou no ano anterior, desligadas dos rendimentos e rígidas face a eventuais flutuações; escalões injustos e que, mesmo quando permitem pagar menos, só servem para degradar a carreira contributiva e os direitos; um esforço contributivo muito elevado, incomportável para muitas pessoas, que é assumido apenas pelo trabalhador; e sem um verdadeiro acesso ao apoio social, que para maioria dos trabalhadores está apenas circunscrito à formação de uma pensão futura de valor muito baixo.

Segundo o que foi anunciado, as novas regras vão finalmente estabelecer uma relação lógica entre as contribuições e os rendimentos. Os descontos passam a ser feitos com base no rendimento real, com ajustamentos, terminando os escalões e aproximando o tempo entre o rendimento auferido e a correspondente contribuição. O esforço contributivo é fortemente reduzido e passa a ser mais repartido com as empresas. E há um alargamento do nível de protecção social em geral, sendo melhorado o acesso ao apoio no desemprego e na doença e passando a haver apoio na assistência a filhos.

Não será tudo o que gostaríamos, mas são mudanças que tornam o sistema mais justo, mais equitativo e mais compreensível para quem nele está inscrito. As alterações vão beneficiar todas as pessoas, porque o esforço contributivo é diminuído e a protecção social aumenta.

Importa ver cada um destes aspectos detalhadamente.

2. Como vai passar a ser calculada a contribuição mensal?

O valor a pagar em cada mês passa a ter como base a média dos rendimentos do trimestre anterior. A base de incidência deixa de ser um enquadramento num valor artificial, por escalões, segundo rendimentos que ocorreram há mais de um ano. Mantém-se o conceito de “rendimento relevante”, que corresponde a 70% do rendimento bruto (para as situações mais comuns). A taxa – actualmente de 29,6% – passa a ser de 21,41%.

Segundo o que está anunciado, para calcular o valor a pagar em cada mês de um determinado trimestre, a taxa é aplicada diretamente à média dos rendimentos do trimestre anterior. O trabalhador poderá ainda fazer um ajustamento no valor a partir do qual se fazem os descontos, até 25% mais ou menos do que o rendimento relevante apurado.

3. E quanto é que se vai pagar?

A contribuição mensal resultará então da aplicação directa da taxa de 21,41% a um rendimento que corresponde à média dos meses do trimestre anterior. Ao contrário do que acontece agora, estes valores podem variar bastante de caso para caso e, para a mesma pessoa, ao longo de cada ano. Ou seja, serão muito mais próximos e proporcionais ao que acontece na vida e nos rendimentos dos trabalhadores independentes.

Dado que a situação é bastante diferente, não é fácil e linear fazer comparações. Mas, ainda assim, é possível prever que, na maioria das situações, os trabalhadores deverão pagar menos em cada mês. Certo é que terão acesso a um nível de protecção superior e que, proporcionalmente, o esforço contributivo é bastante menor. Foi divulgado que, no total, se estima que os trabalhadores a recibos verdes pagarão menos cerca de 100 milhões de euros em contribuições por ano.

Para quem optar por reduzir a base de incidência em 25%, na prática, o valor a contribuir resulta da multiplicação da média do rendimento do trimestre anterior por um factor de cerca de 0,112. Ou seja, quem escolher essa redução, acede a uma taxa efectiva de 11,2%. Embora com uma quebra da carreira contributiva, esta taxa é idêntica à dos trabalhadores por conta de outrem.

4. Por que está previsto um pagamento mínimo de 20 euros?

Foi divulgado que o valor mínimo da contribuição mensal passará a ser de 20 euros. Actualmente, o mínimo que corresponde ao chamado “escalão zero” e é cerca 62 euros. Na prática, este valor mínimo permite que o trabalhador se mantenha no sistema com um registo contínuo, sem quebras na sua carreira. Esta continuidade é essencial para aceder às prestações sociais e para formar uma carreira que possa resultar numa efectiva protecção e reforma, o que passará a ser possível com uma contribuição de valor relativamente baixo. Como actualmente, para não pagar nada é necessário fechar actividade.

5. O nível de protecção social vai mesmo melhorar?

Sim, por duas vias.

Em primeiro lugar, porque, ao terminarem os escalões, os descontos são feitos por uma base mais próxima do valor real. Na maior parte dos casos, dará origem a uma carreira contributiva mais robusta e resultará num nível maior de protecção.

A protecção também é ampliada porque será melhorado o acesso aos subsídios de desemprego e doença, além de finalmente os trabalhadores independentes passarem a ter acesso à protecção no apoio a filhos.

6. E como vai melhorar no subsídio de desemprego? E de doença?

O acesso ao subsídio de desemprego será ampliado por duas razões. Desde logo, porque vai abranger mais gente, passando a estar incluídas todas as pessoas que concentrem 50% ou mais dos seus rendimentos na mesma entidade (em vez dos actuais 80%). Mas também porque as condições de acesso vão ser equiparadas às dos trabalhadores por conta de outrem, ou seja, vai passar a ser suficiente ter um ano de desconto nos últimos dois anos (em vez de, como actualmente, dois anos nos últimos quatro anos). É um avanço muito importante, que poderá acudir mais pessoas que actualmente ficam simplesmente sem rendimentos quando não têm trabalho.

O subsídio de doença é actualmente ainda mais restritivo do que o apoio no desemprego. Com as regras em vigor, embora tratando-se de uma protecção essencial, é praticamente impossível de aceder-lhe. Com as novas regras, há apoio na doença a partir do 10º dia (em vez do 30º, como é actualmente). Esta é uma mudança forte e que poderá ter muito impacto na vida dos trabalhadores a recibos verdes.

7. E as dívidas? Fica tudo na mesma?

Não, há um aspecto importante que vai mudar. Neste momento, ainda persiste uma regra injusta, muitas vezes aplicada pelos serviços: quem está em dívida, mesmo que esteja a regularizá-la, fica impedido de aceder à protecção social (no desemprego ou na parentalidade, por exemplo). Agora foi anunciado que, para aceder aos apoios, mesmo tendo uma dívida, passará a ser suficiente celebrar e cumprir um plano prestacional de regularização.

8. O que muda para as empresas?

Podia ter-se ido mais longe, mas as empresas são chamadas a uma maior responsabilidade, aumentando a sua contribuição para o sistema em algumas situações. Algo que já acontecia, mas que é agora mais significativo e também mais claro.

As entidades empresariais que estão na origem de 80% ou mais dos rendimentos de um trabalhador passam a ter uma taxa de 10%. As empresas que concentram entre 50% e 80% dos rendimentos, que até agora não tinham qualquer responsabilidade, passam a pagar segundo uma taxa de 7%.

É importante reter que esta regra não tem implicações nos descontos do trabalhador, a sua taxa é sempre a mesma e não depende de existir ou não obrigação de contribuir por parte de alguma das empresas a quem presta serviços.

9. Mas por que vão as empresas pagar mais? Têm razões para protestar?

Antes de mais, é importante sublinhar que se mantém o critério da chamada “dependência económica”. Nesta lógica, apenas são responsabilizadas as empresas que geram essa suposta “dependência”, tendo em conta o conjunto dos rendimentos do trabalhador. É um critério discutível, mas, pelo menos, agora fica mais claro e racional: a “dependência” é definida para quem está na origem da maioria dos rendimentos e não é uma mera penalização para supostamente desincentivar o recurso a falsos recibos verdes. É um contributo justo e essencial para que, mantendo a sustentabilidade do sistema, os trabalhadores tenham um importante alívio nas suas contribuições.

Assim, de uma pequena contribuição actual, apenas argumentada com a suposta necessidade de penalizar quem recorre aos falsos recibos verdes e que remunera um subsídio de desemprego praticamente inexistente, as empresas passarão a ser chamadas repartir um pouco melhor a responsabilidade pela protecção de quem trabalha. Essa co-responsabilização, comum a todos os sistemas de previdência, é uma exigência democrática básica. A contestação das associações patronais, tristemente previsível, revela como está instalada uma cultura de desresponsabilização e falta de vínculo com a realidade social do país.

Sempre contestámos que as regras das contribuições servissem para corrigir o incumprimento da legislação laboral. O combate à precariedade é fundamental, mas o regime de contribuições não é o âmbito para isso e não pode ser transfigurado para responder a problemas que estão a montante da sua missão de proteger de forma solidária gerações de trabalhadores. Por isso, não tivemos ilusões e criticámos as alterações de 2011. Agora o caso é outro. Chamar as empresas à efectiva responsabilidade social de contribuírem é apenas algo elementar e que existe em todos os regimes contributivos.

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