O governo usa uma política de navegação à vista para a Ciência e Investigação :: opinião de Manuel Sobrinho Simões

Este é o oitavo testemunho do dossier “Estado da Investigação em Portugal”. Desta vez, entrevistámos o médico e investigador Manuel Sobrinho Simões, director do IPATIMUP (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular do Porto). Podes ver o vídeo da sua entrevista em baixo, ou ler a transcrição.

“Eu sou um optimista na acção, mas eu penso que o panorama é péssimo. E é péssimo por vários motivos.O primeiro, que para mim é o mais importante, é a incompetência da equipa governamental que tem lidado com o problema e alguma malignidade, em minha opinião, quanto às opções tomadas. Se eu tiver que identificar o traço mais importante da política em relação à ciência, foi a destruição das instituições e isto num país como o nosso, muito com um tecido investigacional muito frágil, destruir as instituições é terrível e foi o que tem sido feito de há dois anos e meio a esta parte.

Eu acho o panorama péssimo, estou muito aflito do ponto de vista agora em relação à minha gente, ou à nossa gente, porque não tenho nenhuma segurança sobre o que é que se vai passar a seguir, porque não só há uma política de destruição das instituições como não há nenhuma segurança quanto ao que vem a seguir.

Nós estamos a ser permanentemente surpreendidos por, por exemplo, medidas retroactivas. Para lhe dar uma ideia, por exemplo, o IPATIMUP desde os últimos 5 anos viu o seu orçamento de base estratégico ser reduzido de 1,6 milhões para 0,9 milhões sem nenhuma justificação e há 15 dias soubemos que aquilo que tinhamos devolvido aos investigadores Ciência porque tinham acabado os seus contratos, e sabe que quando se acaba um contrato de 5 anos com qualquer instituição as pessoas têm direito a uma indemnização, digamos assim, nós fizemos essa indemnização de acordo com a lei, e a FCT mandou-nos dizer que nós fizemos mas que pagámos a mais às pessoas 192 mil euros porque eles decidiram fazer cálculos retroactivos a Janeiro de 2011, com o argumento que em Janeiro de 2011 nós já não podíamos ter pago o que pagámos. Ora nós só pagávamos aquilo que recebíamos da FCT para pagar. Isto é monstruoso! Nós fomos pagando, as pessoas tinham esse direito, somos uma associação que cumpre os contratos. Quando nós temos um contrato com uma pessoa que ao fim de 5 anos sai porque acaba o contrato, ela tem direito a uma indemnização que é proporcional ao tempo e ao salário. Nós demos à pessoa essa indemnização e quando pedimos à FCT o reembolso dessa indemnização, a FCT disse “não deviam ter dado porque nós não calculamos isso desde Janeiro de 2011”.

Houve uma destruição das instituições e há uma política de navegação à vista, com mudanças permanentes e surpresas desagradáveis praticamente todos os meses. Portanto, eu para resumir o panorama da investigação científica em Portugal nesta altura, eu diria que é péssimo e para nós aterrorizador.

Como estão a destruir as instituições nós não temos possibilidade de inserir nas instituições nem os nossos investigadores, nem os nossos técnicos, nem os nossos administrativos. A Ciência num país qualquer civilizado baseia-se em instituições e são as instituições que constituem uma espécie de tecido sobre o qual depois as pessoas fazem a sua construção em termos de investigação de um assunto ou de estudos observacionais com apoio técnico ou sem apoio técnico, com mais ou menos apoio administrativo. Mas há um tecido que é a instituição. Actualmente o panorama da investigação é de tal ordem, que como acabaram com as instituições e inclusivamente só dão dinheiro para investigadores, é como se fosse possível meia dúzia de investigadores juntarem-se aqui na Aula Magna e fazerem um instituto de investigação ou um centro.

Há uma lógica do individualismo feroz que na Ciência é mortal. A Ciência precisa de colaboração de tipos de muitas áreas, a Ciência precisa de apoio técnico e administrativo, a Ciência precisa de instituições. Portanto, eu acho que a coisa pior é a instituição. É a mesma lógica. É uma mistura de incompetência e malignidade. Incompetência porque de facto não são competentes. Chegaram há muito pouco tempo a estas coisas, são os novos ricos destas coisas. E depois tem uma coisa maligna no sentido de terem um “parti pris” contra tudo o que é público.
Eu não tenho nenhum “parti pris” contra o que é público. Eu sei que há coisas públicas boas, sei que há coisas públicas más. Sei que há coisas privadas boas, se que há coisas privadas más. Não acho que seja possível destruir o tecido público só porque é público. É uma estupidez.

E há uma coisa que é terrível que é a falta de avaliação. Vamos imaginar que o Governo decidia só fazer o apoio das instituições de qualidade. O que tinha de fazer era uma avaliação séria. E depois recompensava quem tivesse qualidade. Mas não, não fez nenhuma avaliação. Limitou-se a cortar “across the board”, dando muito pouco dinheiro e sem fazer nenhuma avaliação. Para mim é assustador isto.

A Ciência tem por definição duas características. É internacional e baseia-se na avaliação e na recompensa ao mérito. Se você não tiver internacionalização e não tiver instituições que sejam avaliadas e recompensadas em termos de mérito, estamos arrumados. E estamos.

Um corolário é que nós não vamos conseguir manter os investigadores profissionalizados porque eles não têm instituições onde estar. Pior ainda do que para esses, porque esses apesar de tudo têm um “track record” e têm capacidade negocial, são os jovens investigadores que como a instituição está em perda, esses jovens investigadores não têm possibilidade de fazer post-docs de qualidade. A diminuição do número das bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento é assustadora. Para lhe dar uma ideia, nos último anos o número de bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento variou entre cerca de 1200 e 1700 bolsas por ano das duas coisas. Este ano foram atribuídas 400 bolsas de doutoramento ao abrigo dos programas doutorais e para além dessas 400 bolsas só há mais 300 para distribuir. Cerca de 200 para doutoramento e 100 para pós-doutoramento. Isto é, nós passámos de um nível de 1400-1500 bolsas por ano para um nível de 800 bolsas por ano. Não há hipótese nenhuma para um miúdo que queira fazer um post-doc de ele não se sentir assustado porque o número de bolsas diminuiu drasticamente.

Antigamente tinhamos as instituições e as instituições tinham projectos internos e podiam contratar post-docs. Como eles deram cabo das instituições, a situação é terrível. É uma pena porque de facto a Ciência é de facto o que mais evoluiu em Portugal. É verdade que evoluiu porque não partimos de uma base muito baixinha, portanto, não era difícil, mas também é verdade que foi porque o Mariano Gago foi um ministro extraordinário e os outros ministros também não foram maus. Portanto, houve uma espécie de pacto de regime durante 15 anos para a investigação científica e nós melhorámos para níveis muito parecidos com os níveis da Grécia e da Espanha. E não estávamos.

Isto que demorou muito a construir pode ser destruído em meia dúzia de movimentos estúpidos.

O problema da carreira académica é pior. Os cortes nas universidades ainda foram maiores que nas instituições de investigação. Portanto a capacidade de renovação do corpo docente em Portugal é praticamente nula. Portanto, uma hipótese para esses tais post-docs de qualidade que tivessem já agora saída no sistema científico podia ser passarem agora para o sistema académico. Não vão poder, porque as universidades não estão a contratar ninguém. Digamos que a ligação agora é uma ligação que não havia há uns anos entre investigação e ensino superior, esta ligação agora é total, o ministro é o mesmo, e o ministro bloqueou dos dois lados. Portanto, de facto as pessoas estão a ser estimuladas a emigrar e isso é em si mesmo, se fosse uma emigração temporária não vejo nenhum inconveniente, os meus post-docs fazem todos um ano ou dois no estrangeiro, agora o que eu queria era se eles pudessem voltar, voltassem. Agora, uma coisa é isso, outra coisa é mandá-los embora.

Na parte académica, o Instituto está ligado à Faculdade de Medicina e ao Hospital de São João. E eu estou a ter mais dificuldades do que costuma ter de contratar assistentes e professores. Consegui contratar um post-doc novo como professor associado e foi uma lança em África. Mas foi porque ele estava a 20 ou 30% e eu perdi dois professores, deixaram-me contratar um. Nós temos no instituto qualquer coisa como 40 post-docs e 15 a 20 doutoramentos que acabam por ano. Toda esta lógica, a partir deste ano, está totalmente posta em risco, para não dizer que está bloqueada. E é muito chato, porque a gente sente que os miúdos não acreditam. É uma pescadinha de rabo na boca. Os miúdos não se entusiasmam tanto como gostariam, e portanto não chegam a gostar tanto da Ciência como gostariam se estivessem entusiasmados e quando o processo começa a plissar, sentem-se também de alguma maneira enganados. Não é só não terem lugar, é sentirem que não há dinheiro suficiente para investir nos projectos e isso tem uma lógica que é mortal.

Portanto, eu estou muito, muito deprimido.

A minha faculdade, que é a Faculdade de Medicina do Porto, que é a faculdade que tem os alunos com as melhores notas do países, que está aparentemente bem economicamente, já fecha 2 semanas no Natal e uma semana no Verão. Ora, uma faculdade de Medicina não é um liceu. Não pode fechar! Tem laboratórios, tem actividades, para além das aulinhas. Aqui para nós, se calhar é já um prenúncio do que qualquer dia acontecerá. Vai começar pelos politécnicos, não é?

As últimas notícias que tivemos foram terríveis. Vai haver um concurso para as instituições e a redução é draconiana. Nós não vamos ter dinheiro. Como é que o IPATIMUP está a tentar fazer? Está a tentar aumentar as receitas da prestação de serviços, mas não pode continuar a fazer isso porque senão transforma-se num laboratório particular e estamos a tentar aumentar as receitas de filantropia e dos amigos do IPATIMUP.”

Capturar

 

Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather