Hoje a investigação recuou 20 anos
Foram ontem finalmente publicados os resultados do concurso a bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Este concurso foi pautado pelos atrasos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), de que demos notícia anteriormente (aqui ou aqui), e pelo resultado já anunciado de um corte brutal no número de bolsas atribuídas.
Os resultados são dramáticos. O total de bolsas de doutoramento atribuídas foram 298 e de pós-doutoramento 233. Isto significa que apenas 10,1% dos candidatos a bolseiros de doutoramento e 8,7% dos candidatos a bolseiros de pós-doutoramento receberam uma bolsa. Estas proporções são irrisórias. Os níveis de financiamento da investigação deste concurso significam um retorno a valores anteriores a 1994.
A estas bolsas devem ser somadas as 431 bolsas que a FCT atribuiu este ano pela primeira vez a programas doutorais. No entanto, como inúmeras universidades e áreas não foram abrangidas pelos programas doutorais, os dois concursos, embora complementares, não são comparáveis. Este artigo analisa apenas os resultados do concurso individual de bolsas de doutoramento e de pós doutoramento.
Esta notícia é exasperante para os 90% dos candidatos a bolsas de doutoramento e 92% dos candidatos a pós-doutoramento, mas não é uma novidade nas políticas deste governo. Muitos dos investigadores que viram a sua candidatura rejeitada, sem dúvida engrossarão os números de pessoas altamente qualificadas que mensalmente são obrigadas a emigrar ou a desistir de investigar. A perversidade desta notícia é justamente essa, não há alternativa criada por este governo para todas estas pessoas. Os investigadores em início de carreira à sua espera no mercado laboral todos sabemos que têm o desemprego ou, na melhor das hipóteses, um contrato precário. Os investigadores sénior não têm qualquer tipo de perspectiva. As universidades há muito que fecharam as portas a novas contratações, a carreira de investigador está congelada e mesmo os contratos Investigador FCT que foram atribuídos recentemente cobriram apenas 14% dos investigadores que se candidataram.
Os seguintes gráficos (dados FCT) mostram a evolução dramática do valor de bolsas individuais de doutoramento e de pós-doutoramento atribuídas pelas FCT desde então:
A percentagem do PIB atribuída a despesas em Investigação e Desenvolvimento, não surpreendentemente, também não tem deixado de diminuir e apresentou em 2012 um valor equivalente ao de 2008 (dados PORDATA). O valor atribuído à investigação no Orçamento do Estado de 2013 mantém esta tendência, com um corte de 14% para a FCT e de 30% para as universidades em relação a 2011.
O governo de Passos Coelho e de Nuno Crato continua a reafirmar o seu desprezo por medidas estruturadas para pensar e planificar o futuro da ciência e da investigação, e dos milhares de jovens que anualmente completam os seus estudos universitários ou terminam os seus doutoramentos e a quem é oferecido um bilhete de ida para qualquer local com outras condições laborais, longe da investigação neste país.
by
Se houvesse, ao menos, muitas hipóteses la fora para tantos que não podem ficar cá dentro… Como se fora de Portugal, as coisas estivessem favoráveis aos Portugueses (nomeadamente na área das agora denominadas ‘Humanidades’)…
O gráfico referente à evolução das bolsas de doutoramento está incompleto, faltam as bolsas de doutoramento atribuídas nos Programas Doutorais FCT (cerca de 400 anuais)
Assim, não sei onde vamos parar 🙁
So uma achega. A razao pela qual a queda do investimento em I&D nao e maior, deve-se ao simples facto que o PIB caiu. Convinha nao esquecer isso.
caros colegas, na vossa análise incluiram o número de bolsas de doutoramento integradas nos programas doutorais?
Da leitura que fiz do texto, penso que não
Foram 51 os programas doutorais seleccionados para financiamento, com cerca de 8-10 bolsas por ano; assim, um valor médio de bolsas entre 400-500 deverá acrescer aos valores apresentados no vosso texto. Isto, no caso de não os terem considerado. Estes valores, estimativos, deverão ser confirmados junto da FCT-MEC
Criticar é importante, mas num momento como o que atravessamos, a seriedade é um valor crucial. Deixo por isso o meu alerta
mjm
Este post seria mais interessante se propusesse alternativas diferentes de “gastem mais dinheiro do que estão a gastar” para a investigação, para o aproveitamento destas pessoas, para a sobrevivência dos centros de investigação.
Para valer a pena bastava dar umas ideias, algo para começar a conversa.
Esta é uma tragédia que afecta várias pessoas amigas, uma entre muitas que derivam directamente de o Estado ir gastar menos dinheiro em várias áreas, notavelmente incluindo a Educação e a Saúde.
Em vez de reclamarmos por os cortes serem aqui em vez de ali (ou por existirem cortes de todo), façamos o exercício: assumindo e aceitando que realmente há menos dinheiro para gastar nesta área em particular, o que podia ser feito melhor do que está a ser?
Falando por mim, prefiro ter boas ideias para defender do que acontecimentos contra os quais me indignar…
quantas são as bolsas PD concedidas? No texto dizem 210, mas o grafíco aponta para pouco mais de 100
Há universidades e áreas científicas que não têm Programas Doutorais, portanto, temos que nos cingir a este concurso. E neste concurso, na minha área, por exemplo, houve 12 bolsas de doutoramento concedidas. Isto é preocupante. Eu sou bolseira de doutoramento, a terminar em Abril, e ficar em Portugal começa a não ser sequer opção.
As bolsas têm um valor unitario (ordenado) superior ao de 1994 e é por isso que a queda no PIB não é superior, não é apenas pelo fato de o PIB ser marginalmente inferior ao ano passado. Acho que menos de 1% do PIB para investigação é mesmo muito baixo e deveria ser superior. Mas também é importante que venha a publico casos de abuso de bolsas. Spinoffs de institutos que prestam serviços para o exterior e têm bolseiros a trabalhar, em vez de estarem como colaboradores e serem pagos para tal. Lembro-me da Genomed (IMM) ou da unidade de prestação de serviços do IPATIMUP. Isso faz com que não se estejam a atribuir bolsas a quem está verdadeiramente na investigação.
O grande problema não é cortarem ou manterem as BD ou BpD… O grande problema é a mentalidade: toda a gente utiliza estas bolsas para porem pessoal a fazer tudo menos o Doutoramento ou o Pós-Doc. Qndo é preciso alguém para trabalhar com um equipamento, põe um bolseiro a fazer isso. É preciso alguém para fazer algumas experiências, põe um bolseiro. Toda a gente usa e abusa de bolseiros para fazer tudo menos o trabalho para o qual estão a ser pagos, e o resultado está à vista. O outro problema da mentalidade é toda a gente achar q a investigação é algo não rentável onde o estado tem de investir. ERRADO! A investigação não se trata apenas de aprender, mas de descobrir soluções inovadoras ou mais fiáveis para problemas já existentes. É criar algo onde depois uma empresa possa entrar e pôr em practica, por à disposição de toda a gente. O problema é q o pessoal é demasiadamente burro para perceber isto, e depois de um projecto, Doutoramento ou Pós-Doc estar acabado, pensam apenas no seguinte, e não em pegar no q descobriram e fazer a transição para a industria. Ninguém se digna em resolver problemas reais, ninguém pensa em fazer algo q tenha potencial para ser comercial, apenas consideram como uma maneira de estarem entretidos, mtas vezes a jogar solitário spider, e a serem pagos. Por isso, não se queixem pelo pouco investimento. Queixem-se sim se tiverem uma ideia realmente boa e um mau orientador, pq se a ideia, se o projecto é bom, não é necessária uma FCT para nada, há mtas boas empresas, nacionais ou internacionais, q estariam interessadas em investir para depois poderem usufruir. Só q para isso, não podem andar a fazer trabalho de escravo, tem de lhes apresentar resultados, de mostrar progressos, e não q passaram a semana anterior a fazer análises para um animal q nem se lembra q vocês existem. Querem coisas diferentes, revoltem-se contra os profs, contra os chefes. Esses sim, estão a fazer com q o país ande para trás.
A questão fundamental – assumindo que há menos dinheiro – é como, quem, onde foi feita a avaliação das candidaturas, e se o regulamento e o guião de avaliação foram respeitados …
Isto para além das pérolas que será plausível encontrar na avaliação do programa de trabalhos (que não é passível de recurso) e que colocam sérias dúvidas sobre a competência e honestidade intelectual de alguns avaliadores – pelo menos no painel de Linguística e Estudos Literários, que é o meu. Convido quem queira a enviar-me por mail as respectivas fichas de avaliação.
Aqui vai uma ideia: se os orientadores precisam tanto de ter alunos de PhD e Pós-Doc para enriquecer os seus currículos e, assim, obter avaliações positivas para subirem na carreira universitária, que tal 1/3 do salários dos orientadores passar a ser pago aos seus alunos? Isso é que era AMOR à Ciência e ao próximo!
E vai continuar a cair se não se investir nestas “gorduras” da investigação.
Fomos fazendo uma actualização dos resultados e dos gráficos ao longo do dia à medida que estes foram sendo publicados.
O número total de bolsas individuais de doutoramento concedidas foi de 298 bolsas (em 3416 candidatos), e de pós doutoramento de 233 bolsas (em 2305 candidatos).
Este texto fez uma análise das bolsas individuais atribuídas, portanto, não teve em conta o número de bolsas atribuídas a programas doutorais, porque, como escreveu DMesquita no seu comentário, houve inúmeras universidades e áreas científicas que não tiveram programas doutorais aprovados, portanto, os dois concursos não são comparáveis. A mesma escolha de análise foi feita, por exemplo, no artigo publicado ontem ao final da tarde no Jornal Público sobre esta matéria. No entanto, acrescentámos uma frase no texto para que essa opção ficasse clara e justificada.
A questão não é assim tão simples. O que eu gostava de ver, a par dos gráficos com o número de bolsas, o gráfico com o valor total de investimento. Porque me dá a impressão de que há entidades que andam a “papar” tudo. E também gostava de sabe a distribuição do bolo total por instituições, saber quanto recebe cada universidade, cada instituto, cada fundação. Estou em crer (provem me o contrário se estiver errado) que há umas fundações ali para a beira do Tejo que andam a prejudicar todos os outros. Isto tudo, obviamente, sem esquecer que todo o dinheiro investido em I&D é pouco!
A Fundação Champalimaud (que fica ali para a beira do Tejo) é uma fundação privada, ou seja, não devia receber apoios do Estado.
Concordo contigo!! É verdade que existem varios bolseiros em spinoffs a fazer trabalho técnico (e não de investigação) ou de divulgação comercial dos serviços dessas entidades. Essas bolsas deveriam estar a ser utilizadas por quem está verdadeiramente a fazer investigação. Tem de haver uma separação clara entre o instituto de investigação e suas spinoffs. E depois, quem é o proprietario dessas spinoffs? é que os salarios desses colaboradores está a ser pago pelo Estado, assim como os consumiveis e equipamento que vem dos fundos de projetos. Assim, ficam empresas sem custos e com lucros elevados!! E Para quem está a ir o lucro?. Sei que no caso da Genomed (IMM) é o Espirito Santo Saude e no caso do IPATIMUP (IPATIMUP Diagnostics) é detido pelo Sobrinho Simões e Fátima Carneiro. Assim andam os nossos Prémios Pessoa…