O primeiro-ministro José Sócrates prepara-se, segundo divulgado hoje no jornal Público, para escolher o tema do emprego para a sua rentrée política. Antes de mais, vale a pena olhar para a notícia:
José Sócrates escolhe o emprego para a sua rentrée 15.08.2008, Filomena Fontes
É pelo lado do emprego que o primeiro-ministro, José Sócrates, retoma, na próxima segunda-feira, a sua actividade política, patrocinando o lançamento de um call center que a Portugal Telecom vai instalar em Santo Tirso e que representa a criação de mais de 1200 postos de trabalho directos.
Encarado como um projecto fulcral para um concelho que tem 5500 desempregados, o investimento vinha sendo negociado há mais de ano e meio entre a Portugal Telecom, o Ministério do Trabalho e a câmara local, que cederá os terrenos, em direito de superfície, para a construção do equipamento.
Ao patrocinar o anúncio da criação de mais postos de trabalho, Sócrates dá um sinal, repetidamente pedido quer por socialistas quer pelos partidos da oposição, de que o desemprego que fustiga dramaticamente a região Norte está no centro da sua agenda política. E poderá até aproveitar os indicadores positivos sobre o comportamento da economia portuguesa, ontem divulgados pelo INE.
De resto, o Governo apressou-se já a evidenciar “a resistência” que a economia portuguesa demonstrou face às adversidades da conjuntura internacional – no crescimento económico, no desemprego e na taxa da inflação.
Alicerçados nos resultados da governação, os socialistas afastam para já a realização de qualquer iniciativa que possa ser vista como a rentrée do novo ano político. Porque simplesmente “não se justifica”, segundo o porta-voz do PS. “A actividade política do Governo não pode sofrer nenhum intervalo, ainda para mais na conjuntura complexa que se verifica”, declarou Vitalino Canas, justificando assim não fazer sentido assinalar o recomeço de algo que não parou.
De resto, Canas faz questão de lembrar que já no ano passado o PS não seguiu “essa orientação”, embora tivesse havido uma iniciativa no âmbito do Fórum Novas Fronteiras. A reedição de mais um encontro deste fórum de reflexão política não está completamente excluída, mas Canas garante que nada está a ser preparado. Resta saber se o PS fica à espera da anunciada rentrée do PSD, a 6 e 7 de Setembro na Universidade de Verão, para mudar de planos.
Esta iniciativa é uma caricatura da política do Governo. Sócrates irá “patrocinar” o aparecimento dum novo call-center, com vaga para 1200 precári@s, para poder falar de emprego ao país. Sócrates – que não pode ser acusado de ser descuidado com a comunicação – acha que as nossas expectativas já são tão baixas que não é preciso esconder nada: a estratégia do Governo é a precariedade (além do desemprego “controlado”, mas essa é inconfessável). Só assim se explica a frontalidade de escolher o símbolo da precariedade em Portugal para falar em emprego: os call-centers são depósitos de vidas exploradas e adiadas, contratadas eternamente por empresas de trabalho temporário (ETT), com salários muito baixos e nenhumas condições reinvindicativas do lado d@s trabalhadores/as.
Sócrates acha mesmo isso. Acha que já ninguém espera mais do que um call-center. E acha (e quer) que serão esses os empregos do futuro, porque acredita nesta economia com os globais ingredientes da flexibilidade e desresponsabilização das empresas e Governos. E não esquece outras “obrigações” bem domésticas, como sejam a de subvencionar a PT (como faz com todos os grandes grupos económicos) para instalarem “postos de trabalho” – os campeões da acumulação e da precariedade têm sempre uma mãozinha, quase sempre depois de “longas negociações”.
O sr. Provedor / deputado / porta-voz do PS (e do Governo, às vezes) não desaproveitou a hipotese para saudar o Governo non-stop e mais 1200 alvos da sua provedoria. Esta omnipresente figura saberá, como nós, que lhe esperam mais “clientes” e que os seus patrões (as ETT’s) esperam sempre mais lucros e melhores condições para a exploração.
2ª feira, Sócrates falará de vagas em call-centers como se fossem empregos. Falará das “resistência” da economia portuguesa, como se não estivessemos tod@s a tentar resistir ao salário acabar cada vez mais antes do fim do mês. Falará das estatísticas, dirá que o desemprego baixou, como se o emprego tivesse aumentado. Falará, como sempre, dos “seus” “resultados”. Não dirá nada, absolutamente nada, sobre os lucros da exploração da PT (e outras que tais) ou sobre a violência da precariedade. Sim, essa precariedade descarada que ele irá descaradamente “patrocinar” para reentrar na política da desgraça, depois duma época cada vez menos “tola”, porque já não há dinheiro para muito e há quem nem tenha férias.
A única coisa que não pára com este Governo é o descaramento e a tentação da propaganda. Uma insistência que terá que ter a resposta dos outros lados que não aceitam a precariedade e o desemprego como modos de vida, em Santo Tirso ou em qualquer outro lado.