A Gala está no "PÚBLICO" de hoje
15.12.2008, Ricardo Garcia
Cerca de 13 mil pessoas votaram para os Gasganetes dourados, um prémio contra o trabalho precário.
E o vencedor é…
O troféu já vem com a língua de fora e segura-se pela garganta. José Sócrates tem direito a erguer dois deles. Foi o grande vencedor dos “Prémios Precariedade 2008”, numa votação promovida por um grupo de jovens contra o trabalho precário.
Jovens foi o que não faltou ontem, na gala dos prémios, no Ateneu Comercial de Lisboa. Foram entrando aos poucos, mas num fluxo firme, regular. Ocuparam as mesas à frente, depois as cadeiras de plástico alinhadas atrás, preenchendo boa parte do pavilhão no segundo andar do edifício.
No topo das escadas está o jornalista João Pacheco, um dos responsáveis pelos Precários Inflexíveis – o movimento que lançou os prémios.
“Vêm para a gala?”, pergunta a duas raparigas que hesitam em entrar no amplo recinto.
“Não, é para o aniversário”, responde uma delas, confusa.
“Aniversário? Então deve ser no restaurante”.
O restaurante é egípcio, com dança do ventre e tudo. Mas é a gala que interessa. E o assunto é sério. Há cerca de 800 mil pessoas em Portugal que trabalham com contratos a prazo ou “a recibos verdes”. Representam 20 por cento da força de trabalho no país, quando há dez anos eram apenas 13 por cento.
Os trabalhadores jovens estão mais expostos. “É mais fácil a precarização de quem está a entrar no mercado de trabalho”, diz João Pacheco, de 27 anos, que trabalha “a recibos verdes”, pago “à peça”. Nem o Prémio Gazeta Revelação 2006 – o mais importante galardão para um repórter em começo de carreira – o ajudou. “Sou um jornalista precário”, resume. Os Precários Inflexíveis operam numa base informal. Fazem acções de rua, vídeos, actos de desobediência civil. Exercem uma “actividade política de cariz humorístico”, diz Pacheco.
Estilo Hollywood
Foi nessa linha que resolveram lançar um prémio para eleger as pessoas que mais terão contribuído para a precariedade no emprego em Portugal. Foram 16 os nomeados, entre empresários, políticos, instituições e programas governamentais. Apenas um, o deputado Pedro Nuno Santos (PS), reagiu à sua nomeação – dizendo que era injusta, mas que achava a ideia dos prémios “criativa”.
A atribuição foi por votação livre, via Internet. E as cinco estatuetas, alinhadas sobre uma mesa junto ao palco, aguardavam ontem o anúncio dos resultados, a cargo de um casal em estilo Hollywood.
“Boa noite, precariado!”, lança o anfitrião da cerimónia. E a assistência vibra, divertida. As idades estão na casa dos 20 anos, com muitas rastas a decorar as cabeças. Nem todos estão ali por causa da precariedade. O estudante de música Leonardo Marsh, de 21 anos, veio com um grupo de amigos apenas para ver a banda Farra Fanfarra, que animaria o evento. Ser ou não precário, por ora, não o inquieta. “Ainda não sei muito sobre isso”, afirma.
Junto ao bar, Estela Mendes está preocupada. Ex-funcionária de uma farmácia, está desempregada há cinco meses. Soube dos prémios enquanto fazia uma pesquisa sobre os “programas ocupacionais”, oferecidos pelos centros de emprego a quem está sem trabalho. “Cheguei à conclusão de que há muita mão-de-obra escrava”, diz.
Os prémios vêm com música triunfal. Para abrir o primeiro envelope, da categoria Acumulação, os apresentadores convidam o Tio Patinhas. E Belmiro de Azevedo, patrão da Sonae (principal accionista do PÚBLICO) é anunciado como vencedor – porque, alegam os promotores do evento, “acumula como poucos à custa de precários”.
Manuela Ferreira Leite, líder do PSD, fica com o prémio na categoria Soundbyte, por ter dito que “qualquer trabalho que se arranje tem sempre essa dimensão precária”. O programa Novas Oportunidades leva o prémio Ficção Contemporânea, por empregar formadores que trabalham com contratos precários.
“Porreiro, pá”
José Sócrates, muito aplaudido, brilhou duplamente. Venceu na categoria Sem Vergonha, por alegadamente promover o trabalho precário, ao mesmo tempo que promete mais empregos.
O primeiro-ministro foi ainda o mais votado para o Grande Prémio Precariedade – a que todos os nomeados competiam. Com 1340 votos, bateu de longe Manuela Ferreira Leite (208 votos) e Belmiro de Azevedo (189 votos).
No ecrã do palco, surge um vídeo de Sócrates, com uma voz vritual sobre a sua imagem numa mensagem natalícia. A acústica da sala impede a boa audição dos agradecimentos virtuais do primeiro-ministro. Com excepção das duas últimas palavras: “Porreiro, pá”.”
(“Público”, 15 de Dezembro de 2008)