A marcha atrás do Reitor da Universidade de Coimbra, ou a luta – que está para durar – dos Precários da Ciência (parte 1)

Na sequência da promulgação a 7 de Julho pelo Presidente da República das alterações ao Decreto-Lei do “emprego científico” (Lei 57/2017), o Reitor da Universidade de Coimbra, Prof. João Gabriel Silva, enviou um e-mail a toda a Comunidade da UC acerca desse assunto, o qual foi entretanto relatado pelo Observador. O Sr. Reitor considera a nova Lei o “mais grave atentado contra a escola pública em toda a democracia portuguesa”. O que será que motiva expressões tão fortes por parte do Reitor?

Relembremos o que está em causa. O DL 57/2016 instituiu a obrigatoriedade de abertura de concursos para a celebração de contratos a termo – até 6 anos – correspondentes às funções exercidas por bolseiros que já o são há pelo menos 7 anos (4 de Doutoramento e 3 após esse grau). Após longos meses de discussão na Assembleia da República, na qual intervieram Sindicatos, a Associação dos Bolseiros, e outros grupos de precários, a maioria que suporta o atual Governo alterou a legislação no sentido de: i) assegurar o financiamento através do Orçamento de Estado (via FCT) para toda a duração de contrato, em vez de apenas para os 3 primeiros anos; ii) instituir a abertura de concursos para as Carreiras de Investigação ou Docência no final dos 6 anos de contrato (nada garante que será @ investigador(a) que detém o contrato a termo a ser integrado na Carreira, como é óbvio para qualquer concurso para um contrato em funções públicas); iii) garantir a manutenção do rendimento líquido mensal de quem passa de uma bolsa a um contrato de trabalho. Em suma, garantiu-se que as Instituições que acolhem atualmente bolseiros mais “seniores” não terão que despender 1 euro que seja com a substituição das respetivas bolsas por contratos de trabalho, os quais poderão durar até 2023/2024. Só após esses 6 anos é que estes investigadores terão a possibilidade de concorrer para um contrato sem termo, o que devia ser do interesse dos dirigentes das Universidades, dadas as preocupações que manifestam – corretamente – em relação ao rejuvenescimento dos corpos docentes. O que gera, então, a indignação do senhor Reitor da UC?

Através de uma série de mentiras e falácias, eloquentemente desmontadas pelo Investigador Paulo Granjo, o Reitor assegura que estará em causa para cada atual bolseiro “uma obrigação [da UC] para a vida, sem financiamento assegurado.” Nada mais falso. Desde logo, os concursos para contratação para as Carreiras não têm candidatos pré-escolhidos. Pode até tal ser uma prática (infelizmente) recorrente, mas essas situações devem ser denunciadas pelo que são – manifestas ilegalidades. Em segundo lugar, não serão os 5,000 contratos a termo para doutorados que o Ministério estima serem celebrados até 2020 – nº que será difícil de cumprir dado o adiamento do prazo para os concursos da “norma transitória” – que, após darem lugar à contratação para uma das Carreiras previstas, irão compensar as aposentações de docentes e investigadores do Ensino Universitário e Politécnico verificadas em Portugal nos últimos anos (entre 2013 a 2015, ou seja, em apenas dois anos, o nº de equivalentes de tempo integral na Carreira Docente do Superior baixou em mais de 2.000). A isto acresce que é uma obrigação das Universidades e Politécnicos reivindicarem o apoio financeiro através do OE que lhes permita manter um corpo de pessoal estável e que possa responder cabalmente às necessidades, tanto de Ensino como de Investigação – a qual atrai recursos significativos para as Instituições, e contribui decisivamente para as boas classificações nos “rankings” internacionais. Que os Reitores tenham aceitado um nível de financiamento inalterado ao longo de uma legislatura, é algo que só os próprios poderão explicar.

Além da questão da “obrigação para a vida”, que é manifestamente inexistente, o Sr. Reitor João Gabriel Silva também se indigna perante uma suposta “discriminação negativa” de que são alvo as Instituições Públicas, como é o caso da UC, e de onde resultaria o tal “grave atentado contra a escola pública”. Deixamos esta questão para o texto seguinte desta série, onde abordaremos também o recuo na posição do Sr. Reitor em relação à aplicação da Lei 57/2017 na UC. Recuo este que todos os bolseiros e os restantes precários do Sistema de Ensino Superior e Ciência devem registar devidamente.

PS – Deixamos ainda os links para dois artigos de opinião que também se debruçam sobre o tema deste texto: o de um elemento da Direção da Associação dos Bolseiros, e outro do Presidente do Sindicato Nacional do Ensino Superior, no qual se regista o facto de as medidas da Lei 57/2017 custarem cerca de 120 M€ durante 6 anos, o que representa apenas um terço do previsto no Plano Nacional de Reformas para o emprego de doutorados (300 M€ até 2020).

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