A marcha atrás do Reitor da Universidade de Coimbra, parte 2: o Emprego científico e as Universidades-fundação

No passado mês de agosto, escrevemos aqui sobre a inusitada reação do Reitor da Universidade de Coimbra às alterações ao Decreto-Lei nº57/2016 – DL do Emprego Científico -que tinham sido recentemente promulgadas pelo Presidente da República (o qual, em boa hora, não cedeu às pressões de vários Reitores para que não o fizesse).

Denunciámos na altura, como outros, as múltiplas falácias do Sr. Reitor da UC. Em virtude das reações que expuseram a lamentável desonestidade intelectual de quem dirige a mais antiga Universidade do país, e sobretudo dos protestos dos bolseiros da UC a 10 de julho, à qual se seguiu poucos dias depois uma concentração de bolseiros da UL, o Sr. Reitor fez rapidamente marcha atrás. Num email para toda a Academia em 28/7, o Sr. Reitor anunciava para setembro a realização de um levantamento de “todas as situações de investigadores doutorados abrangidas pelo referido regime transitório.” Apenas 15 dias depois de classificar a Lei 57/2017 como “o mais grave atentado contra a escola pública em toda a democracia”, João Gabriel Silva reconhecia que cabe à UC identificar o universo de bolseiros abrangidos. No mesmo email era dito que o questionário em causa (aguardamos a divulgação dos resultados, que já deviam há muito ser públicos) permitiria à UC “preparar devidamente, dentro dos prazos legais, todos os concursos respetivos.” JGS assumia, portanto, que a UC não teria outra opção que não cumprir a Lei. Para uma lei que iria trazer o inferno, durou pouco a sua indignação.

As críticas do Reitor da UC, centradas na distinção escola pública vs. “privada” (leia-se Universidade-fundação), revelam sobretudo a preferência do próprio pelo modelo fundacional. Segundo noticiou o Público noticiou em outubro, o Sr. Reitor pretende reintroduzir no Conselho Geral da UC a discussão sobre a passagem a Fundação, após uma primeira tentativa falhada em 2016, Nas Instituições que o fizeram verificou-se uma brutal desregulação da contratação de docentes, incluindo, como denunciado há 1 ano atrás pelo SNESup, a contratação pela UP de 40 docentes sem remuneração, algo que o Presidente do CRUP considerou “normal” (!). Porém, o Reitor da própria UP, a maior Universidade-fundação do país, catalogou recentemente o modelo fundacional como “um grande flop”. Não poderíamos estar mais de acordo, sobretudo pelos efeitos nefastos para os trabalhadores precários (altamente qualificados) destas Instituições.

De acordo com a Lei 57/2017 as Universidades Públicas que não são fundação, como a UC, terão de abrir lugares para as carreiras de docência e/ou de investigação num prazo de 6 anos (duração máxima dos contratos a termo). Mas já em 2018, com a vaga de contratos a termo que serão celebrados (o Ministro promete 3.000 num ano, estaremos cá para verificar se cumpriu), uma nova geração de investigadores terá a possibilidade de aceder aos órgãos de gestão das suas Instituições. Algo que lhes foi negado durante anos, ou décadas, por via da sua condição de bolseiros. Terá JGS receio de perder uma nova reeleição em 2019?

O facto de as Universidades-fundação poderem contratar ao abrigo do Código do Trabalho não é motivo para os Reitores se lamentarem da Lei 57/2017. É, sim, um motivo muito forte para um amplo movimento de investigadores e docentes, desde bolseiros a docentes catedráticos, pela revisão imediata do RJIES1 de modo a que se elimine a existência de Universidades públicas de natureza fundacional.

A Lei 57/2017, aprovada no Parlamento sem qualquer voto contra (PSD e CDS abstiveram-se), e que melhorou substancialmente o DL 57/2016, mantém, infelizmente, os dois regimes alternativos de contratação previstos no RJIES (LGTFP2 e Código do Trabalho). Tanto BE como PCP propuseram que todas as contratações a termo certo fossem feitas ao abrigo da LGTFP. Esta questão era fulcral para as centenas (ou milhares?) de bolseiros que trabalham em Universidades-fundação, Fundações Privadas, e nas múltiplas Associações de ID criadas por Universidades e Faculdades Públicas para gerir verbas de Projetos e recrutar investigadores precários. Lamentavelmente, o PS juntou-se a PSD e CDS para impedir essa alteração. Tivesse sido aprovada, e muitas centenas de bolseiros doutorados poderiam aceder a um contrato com bastantes mais garantias de estabilidade do que um contrato a termo incerto.

E como estamos em termos de implementação da Lei promulgada em Julho? Pessimamente.

Os bolseiros a quem se destina a Lei 57/2017 têm promovido abaixo-assinados (como o que foi entregue em julho pelos bolseiros da UL, ou o que está a ser promovido pela ABIC) e participado em protestos como aqueles promovidos pelo SNESup ou pela ABIC em Lisboa, ou pelos Investigadores FCT em Lisboa e Porto. Contudo, o Governo continua, quase cinco meses após a publicação da Lei, sem publicar o regulamento relativo às remunerações previsto no Art. 15º. A responsabilidade cabe desde logo ao MCTES, que demorou três meses para chamar os Sindicatos para negociações. No final de outubro, Manuel Heitor prometia que o Regulamento seria aprovado conjuntamente com o OE, mas tal não aconteceu. É agora o Ministério das Finanças a colocar entraves à sua publicação, ao mesmo tempo que retém verbas que deveriam ter sido transferidas para as Universidades.

Chega de atrasos! A Lei 57/2017 tem de ser cumprida nos prazos previstos, com a abertura do primeiro conjunto de concursos até final do mês. O Emprego científico tem de passar do papel à realidade!

PS: Se ainda não assinaste, deixamos novamente o link para a Petição promovida pela ABIC em relação ao cumprimento da Lei 57/2017: http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT86995

 

1 Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (Lei nº 62/2007)

2 Lei Geral do Trabalho em funções públicas (última revisão: Lei 73/2017)

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