A precariedade e a persistência de César das Neves
A crónica do economista João César das Neves, publicada na edição de ontem do Diário de Notícias (vale a pena ler e está disponível aqui), revela a sua “surpresa” com o grito “Precários nos querem, rebeldes nos terão”. Na sua óptica, esta frase nas paredes desafia a sua ideia de um povo “pacato, sereno”: é, diz mesmo, “ameaçadora”. A nós não nos surpreende o incómodo de João César das Neves, defensor de sempre das águas paradas do conservadorismo, mas acesso pregador das virtudes do liberalismo económico sem complacências. E queremos precisar: a tal frase que o choca não é uma ameaça, mas é para levar a sério.
Queremos mesmo agarrar a vida e não nos conformamos com a suposta fatalidade da precariedade, no trabalho e em tudo o resto. E sabemos que, tal como César das Neves, não faltam por aí encartados para nos dizer que temos que nos habituar, que não há alternativa. Essa é, afinal, a tese de sempre, apenas mais uma vez repetida nesta crónica.
Mas este texto de César das Neves é, como tantos outros, exemplar pela sua clareza. Este homem diz às claras o que os outros – aos quais ele se finge opor – fazem sem confessar. Dizer que as leis laborais são sempre rígidas, mesmo depois de sucessivas alterações (como a recente revisão do Código do Trabalho) não é apenas uma forma permanente de pressionar a desregulamentação. É também a porta que se abre para descobrir os “culpados”, ou seja, quem ainda conserva os direitos básicos no trabalho. E, claro está, os sindicatos e a organização dos trabalhadores e das trabalhadoras.
É claro que César das Neves tem que fintar a realidade. Afinal descobre que “ninguém quer” a precariedade, apesar de reconhecer a existência do principal elemento que indica precisamente o contrário: o trabalho precário cresce estrondosamente e, o que é mais imporante, a par do aumento do desemprego. Ou seja, está a operar-se uma recomposição acelerada (sobretudo na última década) das relações laborais. E, precisamente porque César das Neves gostava de acelerar ainda mais a história, ataca os que apelida de “privilegiados”. No seu mundo perfeito, todos seríamos precários resignados e felizes por participarmos neste magnífico e purificador milagre que é uma economia baseada na exploração.
Aproveitamos para lhe dizer, caro César das Neves, que não nos assusta com a sua ameaça final. À sua empertigada (e pouco imaginativa) subversão da frase para “se rígidos se quiserem, precários continuarão”, nós dizemos “Precários sim, mas inflexíveis”: assim termina o nosso manifesto, numa ironia que assenta como uma luva para lhe responder. Ah, e já agora, uma vez que é economista, fica-lhe bem conhecer os números e divulgá-los convenientemente: somos cerca de dois milhões a viver na precariedade, ou seja, mais de um terço de todos os trabalhadores e todas as trabalhadoras do país.
by