À volta do Código
Não, não é novo afirmar o “concenso” para “um novo compromisso”. Nenhum Governo dispensará – e este também não o fez – o trunfo mediático da pretensa paz social, do entendimento com patrões e sindicatos. Está aí a chave para entender o adiamento de 24 horas na última reunião da concertação: era o tempo necessário para simular os últimos “esforços”, num “acordo” mais que previsível, na forma e no conteúdo.
Não, não é novo ouvir privilegiadas lamúrias de patrões e seus seguidores no momento em que avançam mais um bocadinho nas suas condições para a exploração. No jornal diário do Belmiro, gritou-se no editorial do dia seguinte, como quem exige dar cabo de tudo ao mesmo tempo, que se estão a “mudar as leis para que tudo fique na mesma”. Será? Há muitos e maus anos que nos vêm apertando o cerco, com “crise” ou sem ela. Em nome da “economia” ou doutro qualquer eufemismo circunstancial para não nos dizerem o que lhes vai na cabeça e nos bolsos: querem – e estão a conseguir – intensificar a exploração no trabalho. Não tenhamos ilusões: no plano dos poderosos, o “maior ataque de sempre aos direitos dos trabalhadores” é sempre o próximo. Os resultados desta revisão das leis laborais não são propriamente uma novidade, é verdade. Mas, apesar do longo caminho com @s trabalhadores/as sempre a perder, o atrevimento ganha agora novas formas, que são muito sérias e exigem reflexão e combate.
A versão final do “acordo” tem tudo o que se previa. Já está dito e redito neste blog e em todo o lado. Despedimentos (ainda mais) facilitados, uma machada forte na contratação colectiva e o princípio do fim de horários de trabalho são destaques da declaração de guerra de Sócrates e companhia. O despedimento por “inadaptação” ficou de fora, o que já toda a gente sabia há meses – ninguém acredita que foi uma “exigência” da UGT, nem muito menos uma “cedência” dos patrões, que tudo têm ganho cada vez que se mexe nas leis laborais.
Não, não é novo dizer que quem não concorda com o plano “está sempre do contra”. Claro! Teríamos que aceitar mais dificuldades para as nossas flexíveis vidas. E teríamos também que esquecer que Sócrates na oposição achava que Bagão tinha chegado a um Código do Trabalho que exigia a revogação pela (sua, do Sócrates) nova maioria que aí vinha, apesar de agora conseguir – é sempre assim… – agravar o que já era muito mau. O Bagão agora também acha que este Código “vai longe de mais” e até esclarece o que já sabíamos, que “se trata dum acordo do Governo com a sua própria maioria, seja ela sindical, seja ‘maioria empresarial’”. Sócrates, por seu lado, com Vieira da Silva pela mão, enquanto escapa aos tiros para o ar à saída entre dois comícios – como que para dispersar, mas apenas as atenções –, vai andando pelo país a convencer o seu partido – e, de caminho, tod@s nós – que os maus da fita são os que não aceitam continuar a pagar o preço da exploração agravada.
Neste Código (e não só), a grande “novidade” é mesmo a precariedade. Não que seja coisa nova, mas porque passou a estar no centro do debate político e das decisões dele resultante – a selvajaria no trabalho passou a ter um nome e, portanto, a precisar de respostas. Sócrates insistiu até ao fim na ideia de uma “revisão equilibrada”, papagueando rebuçados para precários e precárias e salientando as “vantagens para a economia portuguesa” (traduzindo: flexibilidade obrigatória para quem trabalha e maior facilidade para os despedimentos que os patrões “precisam”). Ou seja, mente duas vezes (pelo menos): nem @s precári@s são moeda de troca nenhuma para, com migalhas envenenadas, compensar a facilidade em despedir ou ataque generalizado a direitos antigos; nem, muito menos, @s precári@s podem sonhar com algum benefício a partir deste Código. É preciso dizer com clareza: a precariedade é e continuará a ser a única forma de organizar o trabalho que passa na cabeça deste poder – para lá da propaganda, não há nada neste Código que combata a precariedade. Perdemos tod@s: a precariedade está legalizada para quem nunca conheceu outra forma de trabalhar e começa a furar a vidas d@s outr@s. “Ou há precários ou não há nada”: o sinistro Van Zeller estava a falar a sério e sabe que pode falar como quer.
Sócrates vai agora continuar a vigarice. Além de se apressar a produzir “notícias” à medida do rescaldo que os grandes momentos exigem, lá levou o “acordo” para ser festejado no Conselho de Ministros e já o encaminhou para a Assembleia da República. A próxima trapaça é o encurtamento do prazo de discussão pública do documento para apenas 20 dias, para que possa ser aprovado enquanto o país está de férias. A CGTP já exigiu que Jaime Gama não aceite este truque, que apelida de “criminoso”, que conta também com a oposição do PCP e do Bloco de Esquerda. Mas a absoluta maioria de Sócrates encontrará certamente saída para mais um embustezinho.
Nós, Precári@s Inflexíveis, quisemos dizer que “não há acordo para a precariedade”. Aos senhores “parceiros” em acordo, directamente, antes das suas assinaturas decidirem as nossas vidas. E a toda a gente, porque sabemos que não estamos sozinhos. Vamos continuar a experimentar os caminhos que juntem para combates novos, porque não desistimos de dar a volta às nossas vidas. Até breve!
[já agora, vale a pena olhar para a versão final do “acordo”, ainda à espera da correcção (mas apenas ortográfica), gentilmente cedida pela UGT, no seu site]