Adiante, nada de novo…

Eu tive um sonho esta noite. Ou terá sido um pesadelo…

Sonhei que estava no escritório e de repente chegava o patrão, que nunca antes tinha visto, e me dizia: “A partir de amanhã escusa de vir. Não gosto de si, não a quero cá mais”. Falando com uma amiga, esta aconselhava-me: “Não te vás embora sem assegurar que te pagam todas as contribuições para a Segurança Social, o 13º e 14º meses e as férias não gozadas”. Assim ficava decidido. Entretanto ia-me apercebendo de tudo o que tinha feito ao longo de um ano naquele posto de trabalho. E do quanto aquela medida era arbitrária, tortuosa e injusta. E caminhava pelos corredores da empresa, observando mil e uma irregularidades flagrantes, E dava de caras com os chefes – tantos chefes, incrível! Tantos chefes para tão poucos subalternos… – entrando para (mais) uma reunião. E tentava chamar um deles para o colocar perante a minha situação. Para questioná-lo. Afinal, tinha sido ele a contratar-me… Mas ele não me ouvia. Subitamente eu tinha ficado transparente e inaudível para todos à minha volta. Como nos filmes, apenas eu sabia da minha própria existência, ninguém mais dava por mim.

E depois acordei. Assarapantada. Imóvel e estremunhada, ali permaneci, longos minutos, tentando discernir a realidade, buscando a custo o aqui e o agora. Afinal, onde estava eu? Se aquilo não passara de um sonho, então, tudo devia estar bem. Teria eu um emprego? Que horas seriam? Deveria eu estar a trabalhar? Estaria atrasada? Que dia seria hoje? Em que país estava? Em que ano? Em que dimensão?

E depois lembrei-me. Afinal, já tinha sido despedida há mais tempo. Só que não tinha havido pagamentos à Segurança Social nem subsídios de férias nem de Natal e muito menos férias remuneradas. Não tinha havido nem havia qualquer vestígio de hipótese de que um dia viesse a haver. E no trabalho anterior a mesma coisa. E assim para trás, tão longe quanto a memória mais remota pudesse recordar. E diante de mim nada. Nada…

O que há é onze anos de recibos verdes, uma dívida desmesurada a pairar sobre a minha cabeça e o espectro do desconhecido estendendo-se longo à minha frente, indefinidamente, vago e pegajoso, como uma interminável estrada de alcatrão perdida no meio do Alentejo em tarde de verão.

MZ

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