Ana Luísa Gomes, Dinamarca :: Investigadores pelo Mundo

Terminamos a semana com mais um post da série “Investigadores pelo Mundo”, desta vez com o testemunho de Ana Luísa Gomes, a fazer um doutoramento na Dinamarca. No seu testemunho, narra como os investigadores são vistos como quaisquer outros trabalhadores, tendo, logo, direito a um contrato de trabalho, incluindo os investigadores que estão a fazer um doutoramento. É uma diferença drástica em relação à realidade portuguesa, onde a precariedade é o futuro da maioria dos investigadores, que sobrevivem com bolsas que lhes são sucessivamente atribuídas, e que não lhes dão quaisquer direitos sociais.

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1.Que investigação fazes ( IC, PhD, pós doc, etc), área profissional, e o teu trabalho está integrado num projecto de investigação mais amplo ou é um projecto individual?

Estou a fazer o meu PhD na área de bioquímica, biologia molecular num instituto em Copenhaga principalmente dedicado ao estudo de epigenética e regulação da expressão genética. O meu projecto faz parte de um projecto de colaboração com outro laboratório de outro centro de investigação dinamarquês.

2. Que tipo de vínculo contratual tens (bolsa, contrato, etc)? Financiado por quem?  Sempre foi assim?

O doutoramento na Dinamarca, apesar de ser considerado como mais um grau académico, é considerado em termos contractuais como um posto de trabalho, é por isso assinado um contracto por 3 anos, onde são considerados todos os direitos e deveres do empregador e trabalhador, como em qualquer outro tipo de posto de trabalho na Dinamarca. Pagamos a mesma percentagem de impostos e temos direito a um fundo de pensão.

Em termos de financiamento é como um outro qualquer projecto de investigação, onde se apresenta candidatura a Fundações para financiamento pessoal e de projecto. No meu caso, foi o PI que em conjunto com outros grupos do Instituto conseguiram financiamento para 7 bolsas de doutoramento, onde cada grupo gere esse próprio financiamento. Eu sou paga pelo meu PI e não pelo instituto ou pela Universidade, embora esteja vinculada a uma Faculdade para obtenção do grau académico.

Penso que na Dinamarca sempre se considerou os doutorandos como trabalhadores e não como estudantes.

3. Que tipo de vínculo têm os teus pares (colegas de laboratorio, professores, orientadores)?

Actualmente no meu laboratório existem técnicos de laboratórios, investigadores assistentes e pós-docs. Penso que todos eles se regem pelas mesmas regras como os alunos de doutoramento. A todos eles é aplicado um contracto de trabalho, com os mesmos direitos e deveres (sendo que tanto quanto sei a percentagem de impostos varia consoante a sua remuneração e o nível de rendimento brutos que atingem). Apesar de ser contractos de trabalho e não bolsas, são os próprios grupos que têm de garantir o financiamento aos seus próprios elementos, por isso continua a ser necessário a apresentação de candidatura para financiamento de posições de pos-doc e financiamento para contratação pessoal.

4. Quais as principais diferenças que encontras relativamente à investigação em Portugal?

Em primeiro lugar o facto de a investigação ser considerada como qualquer outro tipo de trabalho. O facto de se ter direito a um contracto de trabalho protege e assegura os direitos tanto do trabalhador como da Universidade/Instituição e faz com que haja a possibilidade de se pertencer ao sistema de descontos dinamarquês. O pagamento de impostos possibilita acesso a todo o tipo de serviços e regalias do estado, como um sistema de saúde gratuito, como o direito a um fundo de pensões para aposentação ou acidentes. Possibilita igualmente ter direito a todas as regalias em termos de licença de maternidade. O facto de ser assinado um contracto faz com que tudo venha mais discriminado como, quando e em que condições esse mesmo contracto pode ser rescindido e quantos dias de férias pagas temos direito por cada mês de contracto.

Penso que na Dinamarca as possibilidades de financiamento são um pouco maiores, uma vez que há varias instituições às quais se podem apresentar candidaturas. Enquanto em Portugal o financiamento pessoal a doutoramento ainda se encontra muito focalizado na Fundação de Ciência e Tecnologia, na Dinamarca qualquer fundação de financiamento de ciência pode financiar doutoramentos. E quando digo doutoramentos, refiro-me também a posições de pós-doc, investigadores assistentes. Há inclusive Fundações especializadas no financiamento de projectos consoante o seu tema de investigação, o que ajuda a direccionar as candidaturas de projecto e de financiamento pessoal.

Em geral sinto que há maior possibilidade de financiamento pela diversidade de Fundações interessadas em financiar projectos de investigação. No caso da Dinamarca o financiamento de projectos ligados a investigação de cancro é muito forte.

5. Tens apoio para fazer uma temporada/trabalho de campo noutro instituto/país para melhorar a investigação que fazes?

Sinto que tenho essa possibilidade e ao mesmo tempo uma certa “pressão” da própria Universidade que isso aconteça. Claro que muitas vezes depende do orçamento de cada grupo em conseguir financiamento extra para tal. Embora seja ainda muito recente a minha estadia no grupo, já tive possibilidade de ir a um curso nos Estados Unidos para melhorar as minhas bases de conhecimento e ajudarem-me com o desenvolvimento do meu projecto de doutoramento e tudo foi pago pelo meu PI, por fundos de projectos do próprio grupo.

Penso que dentro do razoável e possível pelo orçamento do grupo, a mentalidade em geral na Dinamarca é proporcionar todas as ferramentas e meios necessários para que possamos fazer o nosso trabalho com qualidade.

6. Qual a percepção pública dos investigadores no país onde trabalhas?

Admito que ainda estou a perceber qual a dimensão e proporção de investigadores em ciência na Dinamarca. No entanto já percebi que há vários institutos de investigação ligados à Universidade bem como várias empresas no sector farmacêutico e industrial com um mercado muito aberto a investigadores. São vários os cientistas que fizeram a transição do meio de investigação científico universitário para o industrial. Penso que na Dinamarca há maior possibilidade de trabalho de investigação no meio industrial e no sector privado comparando com Portugal.

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