Divulgamos aqui o texto de uma das pessoas que participa do grupo de arquitectos que se está organizar contra a precariedade e a exploração na arquitectura, área onde a banalização do trabalho ilegal e sem direitos a “falsos Recibos Verdes” é uma realidade. Os estudantes e licenciados em arquitectura são, desde a faculdade, introduzidos na prática da aceitação das condições de roubo que lhes impõem.
Mas algo pode mudar, e esta movimentação de força que se junta, entre arquitectos, para combater a exploração sem limites na arquitectura tem o total apoio dos Precários Inflexíveis e, lá estaremos com eles e elas a dar força a uma batalha por direitos que não vai esperar mais.
Fica então o texto e o apelo para que todos os arquitectos que se quiserem juntar, apareçam hoje às 21horas no cinema São Jorge em Lisboa para a próxima reunião deste grupo. Até logo…
Os falsos liberais
“A Arquitectura enquanto profissão, é na percepção que passa para a sociedade, uma profissão de elite. Consequentemente passa a ideia de que o Arquitecto sozinho no estirador faz um esquiço e o edifício aparece construído, é fotografado aparece nos escaparates e recebe imensos prémios. O arquitecto é um “profissional liberal”, não é milionário mas ganha bastante bem. A realidade nunca foi assim mas hoje não podia ser mais diferente.
A grande maioria dos arquitectos, e digo grande maioria porque não há estatísticas feitas, é executor por conta de outrem. Trabalha em frente a um computador, recebe e envia emails, faz e recebe telefonemas e responde a uma hierarquia definida, ou seja, muito mais parecido com tantas outras profissões e muito menos com a ideia romantizada do artista no seu momento de inspiração. Como qualquer profissão, tem os seus direitos e deveres e os seus profissionais são representados por uma organização que defende os interesses de todos. Ora isso não se passa na Arquitectura.
A precariedade é uma constante na nossa área, desde que começamos como estagiários onde existem casos de trabalho a custo zero, passando pela prestação de serviços a recibos verdes sendo na verdade um empregado escondido, sem qualquer tipo de contrato, sem horário de trabalho definido, horas extraordinárias não pagas. Tudo isto é feito em nome da ideia de que o arquitecto é um profissional liberal, independente e chefe de si próprio quando na verdade está dependente de um salário baixo, quando este chega.
Na nossa formação sempre houve, ou havia, uma tradição de mestre/discípulo onde o mestre era o autor e o discípulo bebia cada traço do Professor. Esta ideia de arquitecto autor é incentivada na nossa formação académica e nas publicações da especialidade que elevam ao estatuto de estrelas quem aparece nas suas capas. Consequência disso, todos os dias chegam aos ateliês carne fresca, jovens estudantes dispostos a trabalhar gratuitamente na esperança que o nome do mestre/arquitecto conste no seu portefólio para poder aspirar um dia receber um ordenado mínimo. Muitos ateliês despedem arquitectos mais experientes que sempre estiveram em situação precária simplesmente porque têm mão-de-obra mais barata. Estes vêem-se após anos de dedicação e empenho, sem trabalho e sem qualquer tipo de protecção social.
Esta situação tem reflexos quando, sem trabalho e já com alguma experiência, os arquitectos tentam montar o seu Ateliê. Deparam-se então com concorrência desleal feita por quem, fruto da redução de custos com o pessoal, apresenta honorários muito abaixo do “real” custo dos projectos se estes fossem feitos na legalidade e moralidade laboral. A precariedade toca então a todos.
Com este estado de coisas, seria de esperar que a instituição que nos representa viesse repor justiça e regulasse as situações laborais e contratuais. A verdade é que a Ordem dos Arquitectos, por questões de inoperacionalidade, apatia ou compadrio não tem sabido responder às alterações da dinâmica do que é ser Arquitecto e trabalhar em arquitectura. O sentimento é de que na própria Ordem este estado de coisas interessa a uma determinada cúpula de Ateliês que juntando a exploração de mão-de-obra barata com relações de influência e jogos de bastidores, conseguem arrebatar projectos em condições de clara deslealdade para com os seus colegas.
No sentido de responder ao descontentamento crescente em relação às condições laborais no mercado da Arquitectura reuniu-se um grupo de Arquitectos e Arquitectos Estagiários para debater esta situação.
Os objectivos do grupo são a denúncia das situações de precariedade e ilegalidade bem como a discussão de soluções para a regulação das relações contratuais no mercado da arquitectura entre os vários agentes envolvidos (empregadores, assalariados, fornecedores, clientes, instituições públicas ou privadas). Este grupo encontra-se em processo de materialização numa organização que se pretende aberta e independente, não estando contra ninguém mas sobretudo a favor de todos os Arquitectos.
Nesse sentido, apelava a todos os interessados a que se juntem a esta discussão alargada para que possamos formar uma identidade onde a maioria se sinta representada. Onde tenhamos a força suficiente para que as denúncias de ilegalidade não fiquem na gaveta, para que as instituições saiam da apatia, força para despertar nos arquitectos um verdadeiro sentimento de solidariedade colectivo.”
Os arquitectos devem juntar-se a nós.
Todos contra a pouca vergonha do recibo verde.
Tony Costa