Boaventura de Sousa Santos, opinião :: O Estado da Investigação em Portugal
Este é o quarto testemunho da série “O Estado da Investigação em Portugal”. Depois de Manuel Jacinto Sarmento, Sara Magalhães e António de Sampaio da Nóvoa, publicamos a opinião de Boaventura de Sousa Santos, Professor Catedrático Jubilado e Director do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.
Podem ver a entrevista em vídeo (aqui), ou ler a sua transcrição abaixo.
“Eu penso que nós avançámos nos últimos 20 anos extraordinariamente nas áreas da investigação, em todas as áreas das ciências em Portugal. Montou-se lentamente um sistema científico e acho que os progressos os avanços que se fizeram, curiosamente, para mim, como cientista social e como sociólogo, não foram apenas as ciências da vida, ou as ciências ditas naturais, mas também as ciências sociais que foram acarinhadas dentro deste sistema, incluídas dentro deste sistema, e houve realmente avanços bastante significativos.
Tudo isto, no entanto, está neste momento em perigo, e num perigo que pode ter o risco de algo irreversível. Trabalhámos muito, na área das ciências sociais, que é a área que eu conheço melhor, nós pudemos atrair jovens cientistas sociais de diferentes países (…). Por exemplo, no meu centro, de Estudos Sociais, temos bastante investigadores estrangeiros, italianos, mas também brasileiros, moçambicanos. Portanto, tudo isto foi possível porque Portugal era um país atractivo internacionalmente. Estava a começar a ser competitivo internacionalmente, tínhamos um bom ambiente de trabalho, ainda não muito dominado pelas lógicas neoliberais, do “publish or perish”, da grande competição entre os investigadores, talvez algum elemento ainda da comunidade científica, à maneira um bocadinho mais antigo, mas produtiva e cientificamente avançada.
É evidente que a política que está em curso com o governo conservador que até agora nos governou, destruiu todo esse sistema. Ele assentou, por exemplo, na criação de laboratórios associados, que nunca foram privilegiados ao ponto de terem apenas eles a exclusividade dos fundos de financiamento, mas deu-se algum privilégio aos centros de investigação que tinham mais qualidade científica para lhes dar melhores condições para poderem competir internacionalmente. Eu, apesar de ser director, e por ser director de um laboratório associado, sou um bocado parcial, mas penso que foi uma aposta ganhadora, porque os laboratórios associados no seu conjunto trouxeram para Portugal muitíssimo mais dinheiro do que aquele que receberam para investigação.
Neste momento, a política do governo, que agora não sei se vai continuar, espero que não, era destruir toda esta estrutura do sistema científico, houve cortes já na investigação, os nossos centros foram cortados pelo menos em 25%, alguns até 50%, e estamos a perder pessoal científico. Aqueles jovens, que podem colocar-se no mercado internacional, e são muitos, estão já a ir para outros centros de investigação. (…) Estamos a perder pessoal científico, e é um trabalho de 20 anos que se perde.
No que respeita à carreira científica, ela tem que de alguma maneira, compatibilizar dois objectivos que por vezes são contraditórios. Por um lado, garantir a estabilidade aos investigadores, por outro lado, permitir, ou exigir, que eles continuem a trabalhar e a desenvolver as suas investigações sem desânimo. E, portanto, que haja incentivos à sua colocação internacional, a novos projectos, sobretudo projectos internacionais, na base dos quais os centros se financiam e se autossustentam. Neste momento, não estamos a conseguir compatibilizar essa estabilidade com o incentivo à produção, porque estamos a destruir a estabilidade. Os investigadores, sobretudo os mais jovens, estão neste momento com contratos… ou são pós-doutorados, ou são contratos de um ano, ou o compromisso com a ciência, que vão acabar proximamente e não são renováveis, e portanto, com esta instabilidade, não vai ser possível consolidar o sistema científico que estávamos a construir.”






