Boaventura de Sousa Santos: “Preocupa-me a eternização da precariedade no percurso dos investigadores"

cesNo âmbito do Roteiro Contra a Precariedade na Investigação, o grupo de bolseiros dos Precários Inflexíveis reuniu com o Diretor do Centro de Estudos Sociais (CES)*, Boaventura de Sousa Santos, no passado dia 3 de Abril. Os temas da precarização crescente do trabalho científico e do atual desinvestimento numa política de ciência que assegure instituições de qualidade marcaram o encontro.

Eternização da precariedade

Segundo Boaventura de Sousa Santos, já lá vai o tempo em que a condição de bolseiro marcava apenas o início do percurso dos investigadores científicos e por isso preocupa-o a “eternização da precariedade”. Além disso, as restrições financeiras e a política de contratação possível para os centros de investigação e laboratórios acarretam outras dificuldades e iniquidades, como por exemplo, a diferença de remuneração para trabalho igual, algo que resulta dos diferentes tipos de relação laboral (no CES há investigadores com contratos de Laboratório Associado que permitem alguma estabilidade tanto à unidade de investigação como aos investigadores, também há investigadores com contratos Ciência e contrato Investigador FCT (estes são contratos a prazo/precários) e ainda há os muitos investigadores que trabalham com uma bolsa de pós-doutoramento (máxima precariedade, ausência de direitos laborais e proteção social no desemprego). Há investigadores que vão cumulando bolsas de pós-doutoramento, de tal modo que muitos serão “eternos doutorandos” e nunca investigadores integrados, lamenta o Diretor do CES, onde também trabalham investigadores juniores que são sobretudo bolseiros de doutoramento ou bolseiros de investigação associados a projetos.

Segundo a opinião de Boaventura de Sousa Santos, em Portugal avança-se para o paradigma que já impera em países como o EUA ou o Reino Unido, onde os investigadores passam metade do ano à procura de financiamento para os seus projetos de investigação aos quais se dedicam na outra metade do ano. O caminho neoliberal na Ciência promove a proletarização submetida aos ditames do mercado, de tal modo que serão os investigadores a pagar o seu próprio salário por via do financiamento que em competição máxima tentarão conseguir, explica o Diretor do CES.

Fuga de cérebros

Sobre o tema da “fuga de cérebros”, Boaventura de Sousa Santos considera que os jovens recebem sinais de que é noutros países que têm oportunidades e que, por isso, “a fuga de cérebros mais grave” é a daqueles que nem chegam aos centros de investigação portugueses, pois muitos “dos melhores” procuram doutoramentos internacionais.

FCT promove “avaliação ardilosa” e submissa às “máfias da ciência”

A FCT tem vindo a promover processos de avaliação das unidades de investigação que são ”ardilosos”, “maldosos”, com constantes alterações, e que, na prática, pretendem acabar com os Laboratórios Associados, desconfia o Diretor do CES. As entidades europeias de avaliação são “pouco transparentes” e “opacas”, acusa, acrescentando críticas ao facto dos investigadores e centros serem avaliados com o critério da bibliometria que apenas pretende alimentar o monopólio das revistas científicas, as “máfias da ciência”, como a Elsevier.

Financiamento: “Só boas instituições dão bons cientistas”

Segundo Boaventura de Sousa Santos, o financiamento plurianual das instituições como o CES, com fundos que provêm do Orçamento do Estado, ao abrigo do protocolo Laboratório Associado, é muito importante pois permite contratar investigadores que não estão a dar aulas e assim podem dedicar-se plenamente ao seu trabalho de investigação, bem como assegurar uma boa gestão de projetos e uma base administrava essencial. Aliás, explica, estas são condições fundamentais para a geração de “bons cientistas”, uma vez que “só boas instituições dão bons cientistas”. No entanto, denuncia, o Governo e Miguel Seabra (presidente da FCT) consideram que basta apostar em “bons cientistas”, o que “é um erro”, afirma ainda.

Do ponto de vista do financiamento competitivo, o Diretor do CES afirma que hoje em dia as taxas de aprovação de projetos pela FCT e por fundos europeus é praticamente igual, ou seja, a maior fatia do financiamento vem então da Europa e este é também o mais procurado porque os montantes são muito superiores.

Muito provavelmente, no futuro, “teremos de nos associar em cooperativas de investigação” para assegurar independência e variedade na investigação científica, diz Boaventura Sousa Santos, sublinhando o apelo: “temos de nos unir, nós, investigadores inconformados”.

*O CES da Universidade de Coimbra é um Laboratório Associado do Ministério da Educação e Ciência, desde 2002, vocacionado para a investigação e formação avançada nas diversas áreas das ciências sociais e humanas. Dirigido desde a sua fundação (1978) por Boaventura de Sousa Santos, o CES conta hoje com 122 investigadores, 48 investigadores associados, 53 investigadores em pós-doutoramento e 64 investigadores juniores. Entre o corpo de investigadores do CES encontram-se sociólogos, economistas, juristas, antropólogos, historiadores, especialistas das áreas da educação, da literatura, da cultura e das relações internacionais, geógrafos, arquitetos, engenheiros ou biólogos.

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