Campanha Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos

A campanha Direito ao Cuidado, Cuidado com Direitos é uma Iniciativa Legislativa Cidadã (ILC) com vista a apresentar uma lei a ser discutida e votada na Assembleia da República. Essa Lei pretende atingir três objetivos:

– Assegurar direitos laborais plenos aos e às profissionais dos cuidados a quem a lei continua a impor a precariedade; 

– Alargar a licença de parentalidade e criar uma licença de cuidados;

– Criar um Serviço Nacional de Cuidados, de modo a instituir os cuidados como um direito social universal e uma responsabilidade coletiva. 

Esta campanha, que nasce da reflexão e debate entre várias organizações sobre a forma como os cuidados são prestados em Portugal, tanto do ponto de vista das pessoas que são cuidadas como do das que cuidam, propõe-se recolher 20 mil assinaturas, de modo a que a proposta possa ser discutida e votada na Assembleia da República.

O trabalho de cuidados engloba todas as atividades que mantêm casas, corpos e comunidades. É nele que assenta o nosso quotidiano e a nossa existência. No entanto, como não é considerado um direito – ao contrário da saúde ou da educação, por exemplo -, tem uma resposta pública residual, que não chega à maior parte das pessoas. Esta responsabilidade é assegurada, maioritariamente, pelas famílias e, dentro delas, pelas mulheres. No nosso país, 80% dos cuidados continuados são prestados pelas famílias, estimando-se que cerca de 1 milhão de pessoas sejam cuidadoras informais, das quais 4 em cada 5 são mulheres.

Em Portugal, a resposta à necessidade de cuidados depende quase exclusivamente do setor informal e da sobrecarga das famílias. A oferta de serviços formais é muito reduzida, sendo a sua taxa de cobertura das mais baixas da Europa. O acesso a serviços de cuidados está entregue às IPSS, tendo o Estado e as famílias como co-financiadoras. Vejamos o exemplo das pessoas idosas: a cobertura de cuidados formais – lares, centros de dia e apoio domiciliário – abrange apenas 13% das necessidades reais. Este retrato estende-se a todas as outras áreas do setor dos cuidados, em que falta investimento e oferta, em que não há resposta pública, logo, não há sequer o reconhecimento do direito.

A organização deste setor está indelevelmente marcada pela precariedade e pela desvalorização salarial das suas profissionais, as dos cuidados e as do serviço doméstico (90% de mulheres). O setor dos cuidados é dos setores que mais emprego tem criado (e dos que mais pode ainda criar), mas o modelo que o rege é o da exploração do trabalho precário e migrante, que acentua desigualdades de género, de classe e étnico-raciais. As leis laborais também não reconhecem o direito a cuidar. Os horários, regimes de trabalho e licenças não estão adequados às necessidades, implicando que muitas pessoas, maioritariamente mulheres, sejam empurradas para a dupla jornada de trabalho ou tenham de abdicar de um trabalho no setor formal da economia, que lhes garante salário, para cuidarem de crianças ou idosos, por exemplo.

Reclamamos uma resposta pública capaz de garantir o direito a cuidar e o direito a ser cuidado. Exigimos respostas públicas de qualidade e adaptadas aos diversos contextos, de modo a garantir direitos e proteção social a quem trabalha e cuidados personalizados a quem é cuidado.

Colocar os cuidados no centro do debate político é também uma forma de combater as desigualdades. Tornar os cuidados um direito social universal e uma responsabilidade coletiva é uma proposta da democracia exigente.