Carta aberta ao primeiro-ministro

CARTA ABERTA AO PRIMEIRO-MINISTRO

Ao Dr. Pedro Passos Coelho, primeiro-ministro,

Na passada sexta-feira, 20 de Junho, em plena Assembleia da República, ouvimo-lo dizer que “não há precariedade, mas há estabilidade laboral” no que diz respeito ao nosso país e à criação de emprego. Ora, sendo o objecto e objectivo da nossa associação o combate à precariedade, não podemos deixar de lhe responder, contestando a sua intervenção e rebatendo-a de forma inequívoca: Primeiro-ministro, não há estabilidade, o que há é precariedade!

Nos três anos do seu governo, sob a direcção e com a desculpa da troika, o sr. implementou a mais radical reforma laboral de que há registo no país. Os custos?

–        O êxodo de mais de 350 mil pessoas: 100.978 em 2011, 121.418 em 2012 e 128.108 em 2013. Em 2014 os aeroportos continuam a encher-se para ver o futuro a partir, a seu conselho e por sua acção directa.

–        1 milhão e 91 mil desempregados reais. Aos números “oficiais” faltam 302 mil desempregados – os não imediatamente disponíveis para trabalhar e os disponíveis para trabalhar mas que não estão à procura. Além disso, o IEFP, sob a direcção do ministro Mota Soares continua a prática da magia estatística, inscrevendo dezenas de milhares de desempregados em formações para não serem contabilizados. É ainda de destacar que é o seu governo que usa mais de cem mil desempregados através de Contratos Emprego-Inserção, sem receberem salário, para funções equivalentes a postos de trabalho, muitas vezes substituindo os funcionários públicos que foram despedidos. É esta a “estabilidade laboral” de que fala? Dos mais de um milhão de desempregados, no final de 2013, 54,4% não recebiam qualquer apoio.

–        Mais 372.500 pessoas desempregadas do que quando o seu governo tomou posse. Quer dizer que por ano do seu governo, 120 mil pessoas em média perderam o emprego. Porque fala então de criação de emprego?

–        Durante o seu governo a percentagem de trabalhadores precários e desempregados ultrapassou, pela primeira vez, a barreira dos 50% de toda a força de trabalho. O sr. primeiro-ministro implementou um novo regime laboral: o da precariedade.

No entanto, e sabendo que as intervenções no Parlamento não deveriam, pelo menos teoricamente, ser feitas sem preparação, e tendo a sua resposta vindo a uma interpelação do CDS, partido que suporta o seu governo, imaginamos que o primeiro-ministro estaria a tentar dizer algo sobre alguma tendência para a subida de contratos sem termo. Sobre isso, há duas questões importantíssimas a observar:

1)      O seu governo destruiu mais de 130 mil contratos sem termo desde que tomou posse e o nível do trabalhadores a contrato sem termo e a tempo completo só se encontra no início dos anos 90, pelo que, nesse aspecto, fez recuar o país 20 anos;

2)      Um contrato sem termo em 2014 é totalmente diferente de um contrato sem termo em 2011 – as alterações efectuadas à legislação laboral modificaram a natureza estável dos contratos sem termo e precarizaram até esta forma de contratação. Além dos sucessivos cortes nos salários e subsídios efectuados nos últimos três anos, o seu governo eliminou promoções e progressões nas carreiras, aumentou a carga fiscal sobre o trabalho, reduziu sucessivamente as compensações por despedimento, aumentando a facilidade de se despedir as pessoas, facilitou os despedimentos por inadaptação e extinção do posto de trabalho, reduziu a duração do subsídio de desemprego, destruiu um milhão de contratos colectivos de trabalho, e propõe que os contratos colectivos passem a ter uma vigência de três anos, o que significa que pretendem que o contrato a termo passe a um contrato a prazo de três anos. Além disso reduziu o número de feriados, de férias, os descansos compensatórios e o valor das horas extraordinárias pelo que, além dos cortes salariais directos, cortou ainda mais os salários dos trabalhadores e promoveu o fim do dia de trabalho de oito horas como referência social e histórica. Até a noção de que um trabalhador ou trabalhadora tem oito horas para trabalhar, oito horas para dormir e oito horas para ser um ser humano, os senhores querem descartar. Algumas destas medidas foram consideradas inconstitucionais à posteriori por aquele organismo que o sr. agora considera o seu maior inimigo: o Tribunal Constitucional. Mas o seu pior inimigo não é este tribunal, é a população deste país, em particular as trabalhadoras e trabalhadores, os precários e as desempregadas, aqueles que têm sido o seu alvo único durante estes três anos de depredação social.

Dr. Passos Coelho: a precarização levada a cabo por si e pelo seu governo da troika são uma tragédia para quem não vive na sua classe. Ameaçam a viabilidade e a sobrevivência do país, pela política de expulsão activa encetada pelo seu governo. Já percebemos que pedir-lhe que se demita não funciona, pois o país já lho exigiu massivamente em várias ocasiões, mas o sr. só responde afirmativamente aos mercados financeiros e aos “credores” internacionais. Contudo, poupe-nos de delírios e respeite a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras, que são maioritariamente precários, e pare de mentir em público.

 Lisboa, 23 de Junho de 2014

A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis

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