Cenas da vida de uma desempregada: não é um exercício de surrealismo
Não fora o estado em que o “meu amigo” Mota Soares e sua pandilha deixaram os centros de emprego, esta história poderia ser um mero exercício de surrealismo.
Ontem vi no site: tempo médio de espera no centro de emprego é de 1 minuto. Uau! – pensei – isto de terem inventado grandes esquemas para diminuir o número de desempregados inscritos tem as suas vantagens práticas para quem ainda consegue a proeza de estar inscrito!
Hoje, lá fui eu, sabendo que a informação no site se mantinha. Chego e tiro a senha 118, olho e vai no número 90. Ui!!! Início de paródia, pensei. Óptima oportunidade de ver notícias, ouvir as impaciências das senhoras que lá trabalham, sentir o cheiro a álcool de alguns desempregados.
De facto, a coisa melhorou nos centros de emprego. Quando há dois anos esperávamos 4 ou 6 ou 7 horas para resolver questões, desta vez fui chamada em 1 hora.
Ora, vamos lá: estou aqui para pedir declaração de desemprego de longa duração para a minha nova entidade patronal ter isenção de pagamento de segurança social.
E recomeça a paródia: não está inscrita porque faltou a uma notificação. “Mas qual notificação? Não recebi nada…” Responde resignada a senhora: “Hoje em dia, é uma empresa externa que envia aqueles postalinhos para casa, nós não podemos saber ao certo o que acontece, só recebemos a informação.” (Faz-me lembrar de quando fui a uma “sessão de esclarecimento” sobre o plano vida activa e a senhora também não tinha nada a ver com o facto de estarmos a ser intimados a fazer um curso de treta, isso era com os serviços e ela só estava a cumprir a sua tarefa de inscrever pessoas.) E continuou: “o que eu posso fazer é inscrevê-la hoje e depois fala com a sra dra directora para lhe pedir que ela faça essa junção de datas.” E eis o momento em que o caos se instala na sala porque faltou a rede e nenhuma impressora funciona. “Quem está para declarações, lamento imenso, mas estamos com um problema e não consigo garantir que possamos tratar das declarações hoje.” E lá fui eu, sem o papelinho de inscrição, pedir à segurança que me ponha a falar com a sra dra directora quando ela chegar do almoço.
E voltei para as minhas notícias e para as minhas companheiras de espera, que neste caso estavam em franca maioria de género. E, passando o relógio como quem vê a vida passar, resolvi voltar a fazer o pedido à segurança. Espero mais e finalmente: “Com o problema das impressoras, não sei se devo esperar ou se dá para tratar por email.” “Qual é o assunto?” “Eu estou aqui para pedir declaração de desemprego de longa duração para a minha nova entidade patronal ter isenção de pagamento de segurança social, mas…”
Lá me pôs a falar com a sra dra directora, que andava por ali, atrapalhada com os problemas técnicos: “estou aqui para pedir declaração de desemprego de longa duração para a minha nova entidade patronal ter isenção de pagamento de segurança social e parece que eu não estava inscrita por bla bla bla”. Depois da minha insistência, ela lá aceitou resolver a coisa a seguir e pediu para esperar.
E lá voltei eu para a mesma cadeira de espera e o mesmo site de notícias. No entretanto, percebi que a segurança é a pessoa mais requisitada para decifrar as cartas do centro de emprego: “Isto é para se apresentar…”, ” o que está aqui escrito é que tem de ir não sei onde…”. Uma das senhoras que foi esclarecer a carta, percebi, estava a ser convocada para um CEI que nem sequer tinha a morada do local onde era suposto ir à “entrevista”. “Já não é a primeira pessoa, isto é em odivelas, já lhe digo a morada.”
Lá fui chamada pela sra dra directora. Lá se resolveu a minha questão, mas não havia impressora e por isso teria de lá voltar. “E não pode enviar por email?” “Não devia, mas…”
E neste momento, ouve-se o ruído da impressora.
Não fora tudo o que suja esta vivência de desempregada, e isto até podia ter um final feliz. Mas o “meu amigo” Mota Soares teria, indiscutivelmente, de sair de cena, com a sua pandilha.
Ana Feijão
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