Chipre: o confisco deles e o nosso.
A 24 de Fevereiro Nicos Anastasiades foi eleito presidente do Chipre, com 57,5% dos votos, contra 42,5% dos votos obtidos pelo candidato à presidência pelo partido comunista local. Aquando da sua eleição Anastasiades, do partido conservador de direita, afirmara que o voto popular (81,6% participação) se tinha decidido “a favor da estabilidade, unidade, credibilidade e mudança”, características comuns aos discursos dos governos que implementam os regimes de austeridade. O que se seguiu foi mais uma confirmação do caminho para um novo regime político austeritário, liderado pelo Eurogrupo.
O memorando da troika do Chipre não foi assinado pelo novo presidente, mas tinha-o sido pelo anterior presidente, Demetris Christofias, do partido comunista AKEL (então num governo minoritário, após o partido de centro DIKO ter abandonado a coligação). As eleições realizaram-se já sobre a égide da troika, tendo vencido o presidente que mais garantias dava ao plano mais draconiano a ser implementado no país por FMI, BCE e CE. O ano de 2011 tinha tido uma recessão de 2,3% e o de 2012 ainda pior (aproximadamente 3,5%). As dívidas da Grécia e os cortes escolhidos pelos credores internacionais atingiram fortemente a banca cipriota (muito próxima da grega). Desde a crise financeira de 2008, os residentes no país baixaram o seu consumo brutalmente, o que fez baixar a produção, aumentar o desemprego (agora oficialmente nos 14,7%) e aumentar as suas poupanças de 43 mil milhões de euros em 2008 para 53 mil milhões em 2012, um crescimento de quase 2 mil milhões por ano (excluindo os famosos depósitos de estrangeiros, de 13 mil milhões de euros). A adopção de políticas de austeridade implícitas nos tratados europeus, como o Pacto Orçamental ou a Regra de Ouro é a austeridade mesmo sem memorando, e por isso os últimos 5 anos de austeridade no sul da Europa foram anos de degradação social e económica para o Chipre.
Após a eleição do presidente, seguiu-se o anúncio das medidas de confisco dos depósitos: perante o aumento da poupança, o saque teria que se dirigir a esta – 9,9% aos depósitos com mais de 100 mil euros e de 6,75% aos inferiores a esse montante. Anastasiades disse “não ter outra alternativa” para receber o resgate financeiro da troika, o “plano de ajuda”. A perplexidade geral da sociedade e da opinião pública perante este anúncio dos ministros das Finanças da zona euro, o denominado Eurogrupo, fez este órgão recuar, em particular para os depósitos mais baixos. Vítor Gaspar, o ministro português das Finanças votou favoravelmente o plano (como todos os outros aliás), mas salvaguardou que o mesmo “não é um modelo para outros países”. Apenas para ser desmentido pelo presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, que disse que o modelo cipriota poderia ser o futuro das “intervenções” da troika. As bolsas caíram a pique.
A medida que está agora em cima da mesa para o Chipre é um corte de 37,5% a 60% para os depositantes acima dos 100 mil euros, não apenas para os cidadãos individuais, mas também para organizações e empresas, sem qualquer critério, o que poderá significar mais um gravíssimo rombo na economia da ilha. Falta o resto do memorando: a redução dos custos de mão-de-obra, aumento da idade da reforma, programa de privatizações, privatização das reservas de petróleo, da Saúde, da Educação.
Da Alemanha chegou pela voz do ministro das Finanças alemão a contradição ao presidente do Eurogrupo, afirmando ao Bild que o modelo de confisco do Chipre era apenas para o Chipre. E arrematou com optimismo a entrevista “Acho que um dia ainda vamos ler nos livros de História que esta crise conseguiu que a Europa se unisse ainda mais. É uma época muito feliz para o continente”.
Perante os avanços e recuos, as afirmações e desmentidos de quem administra as finanças públicas dos países europeus, é necessário fazer uma pergunta: o confisco da riqueza, mesmo que não directamente aos depósitos em Portugal, não terá já passado dos 37,5% para a maioria da população?
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