Código Contributivo: menos energia do Governo na encenação do "combate à precariedade"

Este artigo na edição de hoje do Jornal de Negócios confirma um dos aspectos que vem sendo difundido sobre a nova proposta de Código Contributivo a apresentar em breve pelo Governo. No essencial, o Governo recua na encenação que tentou o ano passado: o propagado “combate à precariedade” passava, na proposta anterior para o Código Contributivo, entre outras medidas pontuais e sem alcance, pela responsabilização das entidades empregadoras de trabalhadores a recibos verdes por 5% (num total de 24,6%, nessa proposta) nas contribuições para a Segurança Social.  
Agora, depois de toda a oposição ter adiado a entrada em vigor durante um ano, Sócrates e Teixeira dos Santos propõem-nos, entre outras alterações para muito pior, que esta contribuição de 5% dos patrões de quem trabalha a recibos verdes seja apenas aplicável nos casos em que 80% ou mais dos rendimentos do trabalhador tenham origem na mesma empresa (ou grupo). O argumento é que assim se filtram as situações em que existem indícios de trabalho dependente encapotado, ou seja a existência de falsos recibos verdes. É precisamente aí que podemos já iniciar um debate que, obviamente, precisa de maior profundidade e uma visão de conjunto sobre o conjunto da proposta legislativa.

Os Precários Inflexíveis denunciaram, no ano passado, que estes 5% de contribuição a cargo das entidades empregadoras não fazem sentido e representam pouco mais do que uma legalização da precariedade: os trabalhadores a falsos recibos verdes (a larga maioria de quem passa recibos) têm direito a contratos de trabalho e o recurso ilegal a este expediente, por parte das empresas, não pode ser apenas uma mera decisão de contabilidade (que, aliás, continua a ser altamente vantajosa); considerando os verdadeiros recibos verdes, eram certamente necessárias formas mais sérias de pensar o sistema de contribuições e protecção social.
Agora, na proposta do Governo, estes 5% de contribuição das entidades empregadoras dependem deste novo critério que releva a origem dos rendimentos (a partir de 80% provenientes da mesma empresa ou grupo económico, no caso). Ora, a ser esse um critério para a detecção de falsos recibos verdes, é inexplicável que o Governo se contente com uma pequena penalização para entidades empregadoras que violam (de forma grave, como considera o Código do Trabalho) as leis laborais e desrespeitam totalmente os direitos de muitas centenas de milhar de pessoas. Se continuar prescindir de investigar e enfrentar a maior fraude social deste país (quase um milhão de falsos recibos verdes), então o Governo escolhe ser cúmplice.

Não deixamos de registar, contudo, que na proposta do Governo as situações que encaixam neste critério (80% ou mais do valor dos serviços prestados à mesma empresa) são encaminhadas para a Autoridade para as Condições do Trabalho. Saudamos este avanço, embora o critério seja insuficiente e a forma como vai ser operacionalizado este mecanismo fique por esclarecer. E, infelizmente, este Governo habituou-nos a uma actuação em que culpabiliza os precários pela precariedade. O último exemplo disso mesmo – e que muito se liga com esta discussão do Código Contributivo – foi a forma insultuosa como o Partido Socialista preferiu desprezar a proposta de milhares de pessoas, através da força da petição, para resolver as injustiças nas dívidas à Segurança Social dos trabalhadores a falsos recibos verdes, preferindo responsabilizar o lado mais fraco (o trabalhador) e recusando a instituição de um mecanismo automático e universal para a detecção das irregularidades e regularização das dívidas. Parece agora que o Governo dá um passo atrás e tenta uma espécie de “meio caminho” para detectar os falsos recibos verdes. A verdade é que, depois de se ter gasto em tanta encenação, tem hoje certamente muito menos energia para o prometido “combate à precariedade”.

Sabemos como é importante que exista uma legislação clara e justa para o conjunto dos trabalhadores e das trabalhadoras, também no que diz respeito ao sistema de contribuições para a Segurança Social. Esta nova versão do Código Contributivo inclui algumas novidades, mas, no essencial, as injustiças anteriores (e até o agravamento de algumas situações). Tal como no passado, não fugimos a este debate e, em breve, contribuiremos com uma análise mais completa sobre a proposta que, infelizmente, surge agora “encavalitada” no Orçamento de Estado e, portanto, com menor espaço para uma discussão que deveria ser isolada e mais profunda do que se prevê.
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