COMUNICADO | CARTA ABERTA: SEM CIÊNCIA NÃO HÁ FUTURO
Mais de quinze centenas de cidadãos – bolseiros da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), docentes universitários e outros – subscreveram, em menos de 36 horas, a carta aberta “Sem Ciência Não Há Futuro” (http://www.peticaopublica.com/?pi=CienFut), dirigida ao Ministro da Educação e Ciência (MEC), Nuno Crato. A carta, que foi promovida pela Comissão de Bolseiros da FCUL, Núcleo de Bolseiros de Aveiro, Precários Inflexíveis e a Associação de Bolseiros de Investigação e Ciência (ABIC), dá conta da situação de atrasos no pagamento de vencimentos, renovação de contratos de bolsas e no reembolso das prestações de Seguro Social Voluntário dos bolseiros da FCT. Os signatários apelam à adoção urgente de medidas que resolvam estes problemas e também à implementação de uma política de incentivos conducente à criação de um mercado de trabalho que absorva a mão-de-obra altamente qualificada e o seu saber, transformando o investimento já feito em formação e investigação científica e tecnológica numa saída para a crise económica e social. Os promotores da Carta Aberta divulgam aqui a sua resposta às citações publicadas no jornal Público (a 24 de Maio de 2012) e atribuídas ao gabinete do MEC.
Numa nota escrita enviada ao jornal PÚBLICO, o gabinete do MEC afirmou que “Não se pode dizer que existam atrasos no pagamento aos bolseiros de investigação da FCT” e que “situações desta natureza ocorrem todos os anos, devido às exigências processuais” (Projetos aprovados no ano passado. Bolseiros da FCT com pagamentos em atraso. Publico online: 24.05.2012 – 21:59). Esta nota antecedeu a publica-ção da carta aberta mas o seu conteúdo é relevante no contexto da mesma. Em relação às citações publicadas no Público e atribuídas ao gabinete do MEC, os promotores da Carta Aberta “Sem Ciência Não Há Futuro”,
1) relembram ao gabinete do MEC a alínea a) do ponto 1. do Artigo 9º do Estatuto do Bolseiro: “Todos os bolseiros têm direito a receber pontualmente o financiamento de que beneficiem em virtude da concessão da bolsa”;
2) consideram que as violações do estatuto do bolseiro não se tornam desculpáveis só por ocorre-rem todos os anos e, principalmente, salientam que a situação se tem vindo a agravar e que esta seria uma excelente oportunidade para demonstrar que é possível fazer a diferença;
3) esclarecem que os atrasos não se devem só às bolsas de doutoramento 2011/2012, mas a toda a tipologia de bolsas, tanto a contratos assinados em 2011/2012, como a renovações, e também ao reembolso de prestações do Seguro Social Voluntário – e anexam testemunhos que disso dão prova;
4) defendem que as “exigências processuais” invocadas seriam triviais se a FCT lhes respondesse atempadamente;
5) reiteram a necessidade urgente de criar uma política de incentivos conducente à criação de um mercado de trabalho que absorva a mão-de-obra altamente qualificada e o seu saber, trans-formando o investimento já feito em formação e investigação científica e tecnológica numa saída para a crise económica e social.
Na sequência da notícia do Público, a comissão de bolseiros da FCUL recebeu vários testemunhos de bolseiros relativos à sua situação. Por considerar que eles desmentem de forma clara as informações prestadas pelo gabinete do MEC ao Publico, anexamos alguns desses testemunhos abaixo. Pedimos que as moradas de email não seja tornadas públicas, embora possam ser utilizadas pelos jornalistas para entrar em contato com os bolseiros.
Silvia
Tenho 32 anos, sou mãe solteira (a minha filha tem 6 anos), sou de Lisboa e estou nos Açores, na cidade da Horta a fazer doutoramento. Escolhi os Açores porque queria trabalhar em biotecnologia marinha e foi no departamento de oceanografia e pescas da Universidade dos Açores que encontrei as condições necessárias para realizar o projeto científico que sempre ambicionei: procurar em animais marinhos compostos que pudessem ser usados para a cura de doenças humanas. Assim, com o apoio de investigadores dessa Universidade escrevemos um projeto inovador não só para a região como para o país também (a chamada prospeção marinha é um conceito tão novo que na europa apenas a Noruega tem equipas dedicadas a esta área), que submetemos à FCT como bolsa individual de doutoramento. Pedi apoios a instituições nacionais (como o IHMT, onde já testei compostos como antimaláricos) e internacionais (como o SCRIPPS instituion of oceanography, onde irei testar compostos como antioncológicos) e a muito custo e com muita imaginação temos conseguido recolher e preparar os compostos para testar. A acrescer a todas estas dificuldades de trabalhar numa ilha, em laboratórios que não estavam exatamente preparados para esse efeito, fica a dificuldade pessoal com que me deparo pela FCT deixar simplesmente de pagar a minha bolsa mensal. Em 14 meses de bolsa, 8 meses estiveram ou ainda estão em atraso, para além de pagarem sempre com muito atraso os reembolsos devidos à segurança social (que são atualmente 109 euros mês). Apenas consigo viver sem dificuldades de maior porque vivo numa casa partilhada e conto com a ajuda da minha família e amigos mas a certa altura a minha situação pessoal ficou tão critica que suspendi a minha contribuição voluntária à segurança social (a FCT já deve 5 meses de reembolsos e não em paga neste momento a minha bolsa à 2 meses). Nunca sei com que posso contar…Por isso, por mais que me custe abandonar o projeto em que tanto investi, estou a considerar desistir porque não posso continuar a sacrificar a minha vida e a da minha filha pela ciência, que não valoriza minimamente todo o esforço que tenho feito. A falta de respostas por parte da FCT fez-me tomar uma posição e já me candidatei para fazer um doutoramento semelhante na Noruega e a uma posição permanente para trabalhar em ciência mas como técnica na Alemanha…
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Liliana
Fui aceite para uma bolsa individual de doutoramento para o ano lectivo de 2011-12. Depois de lacrar e deslacrar várias vezes o processo online, a 7 de Novembro foi-me disponibilizado o contrato. Depois de reunir os documentos necessários, enviei o processo para a FCT a 9 de Dezembro, através dos CTT. Foi entregue na FCT a 13 de Dezembro. No dia 3 de Janeiro recebi um e-mail da FCT a indicar a necessidade de enviar mais documentos. Dia 6 de Janeiro voltei a enviar o meu processo, tendo sido recebido no dia 11 de Janeiro. Continuo à espera de receber. Feitas as contas, são €5650 que a FCT me deve. Felizmente, os meus pais podem-me ajudar, caso contrário, ver-me-ia impossibilitada de sobreviver! Devo ainda acrescentar que vou trabalhar todos os dias, mesmo não tendo visto ainda um tostão. Mais ainda, como é a FCT que paga directamente as proprinas e ainda não o fez, estou em incumprimento para com a Universidade do Minho, o que me impossibilita de aceder à minha página pessoal, requisitar livros, etc. Enfim, tudo aquilo que um estudante de doutoramento necessita para fazer o seu trabalho.
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Célia
Ganhei uma bolsa de pos-doc no último concurso da FCT. Tenho contrato assinado com a FCT desde 01/02/2012 e estou sem receber desde essas data.
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Maria
Bem, a minha bolsa é uma BD no estrangeiro na área das ciências biológicas, cujo registo foi feito para começar em Fevereiro deste ano. Foi tudo tratado aqui na minha universidade para começar em Fevereiro, pelo que tive que vir para cá nessa altura, mesmo sem ainda ter recebido nada. E já estamos quase em Junho, e… nada. Se não tivesse uma família que felizmente me pôde prestar ajuda, não sei como faria neste momento.
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Sérgio
Olá,
eu sou bolseiro de pos doutoramento, o meu plano de trabalhos começou a 1 de fevereiro e ainda não recebi nenhum pagamento. A fct diz que deverá proceder ao pagamento no início do mês próximo.
Penso que quando o ministro diz “que os atrasos são normais e justificam-se por não estar ainda concluído o processo de atribuição.” lhe deveríamos perguntar como pode permitir que seja normal, explicar-lhe que não é normal que se considere normal, que lhe cabe o papel de fazer com que não seja normal.
Claramente o número de funcionários da fct é desajustado tendo em conta o papel central da instituição no financiamento da ciência em Portugal, é urgente dar-lhe meios à altura dessa enorme responsabilidade para que situações como as descritas nos jornais não se repitam.
Cumprimentos,
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Filipa
5 prestações Seguro Social Voluntário (545 euros) em atraso.
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Rita
Boa tarde,
presentemente, a FCT tem 4 meses de reembolsos de SSV em falta para comigo.
São 436€, que, a não serem pagos com a próxima bolsa (Junho), ascenderão a 60% (545€) dos 980€ que recebo mensalmente.
Podem divulgar os meus dados sem hesitações.
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Filomena
Olá,
aqui vai o meu contacto por e-mail. Se necessitarem de outro tipo de contacto é só dizerem. Na minha instituição não sou só eu nesta situação. Há mais uma bolseira de pós-doc e um bolseiro de doutoramento na mesma situação. Se quiserem posso falar com eles para dar o seu contacto e testemunho também.
Muito obrigada.
Cumprimentos,
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Martim
Quanto ao meu caso – renovação de triénio – a FCT pode sempre alegar que diz para tratar da renovação com 6 meses de antecedência. Eu comecei a tratar com quase 3 meses, e tudo estava com a FCT com 2 meses e tal de antecedência. No entanto no meu primeiro email (o dos quase 3 meses de antecedência) mandei o relatório como link na dropbox & perguntei se assim estava bem. Só me responderam a isto (a dizer que não podiam aceitar) em Janeiro e o processo todo recomeçou. Portanto existe culpa minha (não comecei com 6 meses de antecedência) e da FCT (demora 3 meses a responder a um email), mas o caso não é dos mais claros.
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João
João Pedro Galhano Alves, Doutor em Antropologia, com três Pós-doutoramentos em Antropologia e Etnobiologia, desempregado sem direito a subsídio de desemprego, reforma ou rendimento mínimo, isto é, socialmente totalmente excluído, ex-bolseiro FCT de doutoramento (1996-2000) e de três pós-doutoramentos (2001-2012), ex-bolseiro de Master of Science do CIHEAM (1993-1995) com curriculum muito extenso, com vários livros e artigos publicados no estrangeiro e em Portugal, com grande exposição retrospetiva da carreira científica pessoal organizada pelo Estado de Espanha em 2010-2011, com múltiplas conferencias pessoais por convite efetuadas no estrangeiro e em Portugal, com dados de investigação de terreno novos e possibilidade de publicação de livros e artigos a curto e médio prazo no estrangeiro e em Portugal, com raras coleções etnológicas de valor coletadas nos terrenos de investigação (Níger, Índia, Europa) disponíveis para exposição permanente em museu português que as solicite, com o correspondente arquivo fotográfico, sem vontade de emigrar, apoia qualquer iniciativa que dê dignidade e integração social à sua pessoa, aos seu títulos universitários e à experiência e conhecimentos adquiridos em três décadas de investigação em terrenos difíceis da Ásia, África e Europa, sobrevivendo apenas das parcas e voláteis bolsas. Agradece também donativos em dinheiro ou géneros para sobrevivência do próprio e da família. Está disponível para trabalhar em qualquer universidade ou centro de investigação português mas não tem cunha.
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Ana
Eu submeti os meus documentos no fim de Dezembro. Recebi o contrato para assinar em Fevereiro e entreguei-o na FCT nesse mesmo mês. Disseram-me (na FCT) que estava previsto receber em Abril porque o prazo de espera era normalmente 2 meses. Em Abril ainda não tinha recebido cópia do contrato nem pagamento, dirigi-me novamente à FCT. Disseram-se que os documentos que eu tinha entregue estavam todos em ordem, estava tudo validado, que havia apenas “um pequeno entrave burocrático” que não permitia que eu recebesse em Abril… nem em Maio. Que talvez recebesse em Junho, mas que eles já não me podiam dar garantias nenhumas porque preferiam não adiantar datas que não sabiam se podiam ser cumpridas. Que eu não me preocupasse porque recebia retroativos – mas sem juros claro. Como podia eu viver até lá não era da conta deles. Não houve qualquer problema com os meus documentos, não veio nada para trás, estava tudo em ordem. Desde que assinei o contrato já passaram quase 4 meses e ainda não sei se vou receber em Junho ou não.
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Joana
A minha bolsa de doutoramento foi aprovada em dezembro de 2010. Em fevereiro de 2011, entreguei à FCT todos os documentos necessários à assinatura do contrato e, com eles, um documento compromisso de honra em como, partir daquela data, tinha actividade fechada e me dedicava em exclusividade à FCT. A minha bolsa, que deveria ter começado em abril de 2011, só me foi paga pela primeira vez em julho de 2011 (€4970, com subsídio de deslocação a congressos). Em fevereiro, paguei todas as prestações do Seguro Social Voluntário desde o início da minha bolsa até o mês de janeiro de 2012. Estamos no final de maio e ainda não recebi o reembolso desses €1100. Submeti os papéis da renovação da minha bolsa a 30 de janeiro de 2012, dentro da data limite para o fazer. Duas semanas antes, tinha comunicado à FCT que faria o meu primeiro período de estadia no estrangeiro durante o mês de março de 2012. Nunca me responderam a essa comunicação. Quando me anunciaram que o meu pagamento para o mês de março eram os €980 correspondentes à bolsa nacional, e não os €1700 que me eram devidos, liguei para os recursos humanos da FCT, que me disseram que o meu pedido ai
nda “estava a ser analisado” e que não faziam ideia de quando me pagariam a diferença de €1020 (incluindo os €300 de subsídio de instalação) que me era devida. Em março tive de pagar a renda da minha casa em Lisboa (€370), a renda do quarto em Inglaterra (€500), as viagens (€200) e alimentar-me com, é fazer as contas, um saldo negativo. No dia 21 de março, depois de ter enviado vários emails a perguntar pelo estado da renovação da minha bolsa, escrevem-me a pedir uma nova declaração da minha universidade de acolhimento. Dia 22 de março foi greve geral em Portugal, pelo que enviei (ou melhor, reenviei!) a dita declaração a 23 de março, com muita cooperação da secretaria da minha universidade de acolhimento. Até hoje ainda não me pagaram. Das três vezes que fui entretanto à Loja do Cientista, disseram-me que o meu pedido terá toda a prioridade para o mês seguinte (em abril), que será com certeza avaliado para o próximo mês (em maio), que na verdade não sabem quando me pagarão (final de maio). Tenho assinado um contrato de exclusividade que não me autoriza a ter mais nenhuma fonte de rendimento. A FCT deve-me neste momento €5090 que me pagarão, sem dúvida, eventualmente. E sem juros. Será normal?
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nda “estava a ser analisado” e que não faziam ideia de quando me pagariam a diferença de €1020 (incluindo os €300 de subsídio de instalação) que me era devida. Em março tive de pagar a renda da minha casa em Lisboa (€370), a renda do quarto em Inglaterra (€500), as viagens (€200) e alimentar-me com, é fazer as contas, um saldo negativo. No dia 21 de março, depois de ter enviado vários emails a perguntar pelo estado da renovação da minha bolsa, escrevem-me a pedir uma nova declaração da minha universidade de acolhimento. Dia 22 de março foi greve geral em Portugal, pelo que enviei (ou melhor, reenviei!) a dita declaração a 23 de março, com muita cooperação da secretaria da minha universidade de acolhimento. Até hoje ainda não me pagaram. Das três vezes que fui entretanto à Loja do Cientista, disseram-me que o meu pedido terá toda a prioridade para o mês seguinte (em abril), que será com certeza avaliado para o próximo mês (em maio), que na verdade não sabem quando me pagarão (final de maio). Tenho assinado um contrato de exclusividade que não me autoriza a ter mais nenhuma fonte de rendimento. A FCT deve-me neste momento €5090 que me pagarão, sem dúvida, eventualmente. E sem juros. Será normal?