Contrato Social ou Caridadezinha? – Programa de Emergência Social (1 de 2)

O governo PSD/CDS, na voz do Ministro da Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, apresentou hoje um Plano de Emergência Social para “dar resposta à grave crise económica que o país atravessa e que tem piorado as situações de exclusão social”. É de recordar que este é o mesmo ministro e o mesmo ministério que já declararam querer cobrar a qualquer custo as dívidas à Segurança Social de 50 mil recibos verdes, sejam estes falsos ou verdadeiros, admitindo a possibilidade de penhorar os seus bens e contas bancárias. Este governo prometeu e conseguiu, no breve período desde que iniciou funções, agravar ainda mais a herança dos governos anteriores, de aumentar a pobreza acentuadamente e de cavar um fosso entre ricos e pobres que se acentuará. Simultaneamente, através de manobras propagandísticas como este Plano, pretende dar um ar de preocupação perante a situação das pessoas, sendo que é o principal responsável pela mesma.

Este plano, ou manifesto de intenções, com 31 pontos, atravessa uma série de áreas da sociedade.
Fica aqui uma breve análise a alguns dos principais pontos enunciados.


Aumentar em 10% o subsídio de desemprego a casais com filhos em que ambos os elementos estão desempregados. A Segurança Social já identificou 4400 famílias nesta situação. Como os Precários Inflexíveis já haviam observado na sua análise O que quer este Governo, ponto III, o período do subsídio de desemprego será reduzido em 52% e o montante do mesmo subsídio será reduzido em 17%. Além disso, passados 6 meses do subsídio, este verá o valor ser diminuido em 10%. Portanto, depois de efectuar um corte gigantesco nos subsídios de desemprego, este governo maquilha a situação para as famílias numa situação de apuro profundo, de pais com crianças, com um aumento de 10%. Tira-se uma refeição de cima da mesa e depois dá-se um papo-seco.

Medicamentos a seis meses do fim do prazo vão ser distribuídos gratuitamente pelos mais carenciados e será criado um banco farmacêutico para doação de medicamentos nas farmácias. A proposta de utilizar os medicamentos perto do final do seu prazo de validade é interessante, pelo seu combate ao desperdício. Não obstante, é preocupante este princípio de dar os “restos” aos mais carenciados. Depois levanta-se uma questão pertinente: se uma pessoa carenciada precisa de medicamentos específicos, mas estes não se encontram perto do final do seu prazo, e não têm capacidade de comprá-los, como vão fazer as pessoas para aceder a estes medicamentos? Também em relação ao “banco farmacêutico” ocorre um problema – as pessoas dependerão totalmente da caridade para poderem receber os medicamentos necessários a garantir a sua saúde.


Criação de um mercado social de arrendamento para agregados familiares que estão excluídos do acesso à habitação social nos municípios, com preços abaixo dos praticados no mercado. Esta é uma medida insuficiente. Apesar de haver uma quantidade colossal de casas desabitadas, prédios devolutos e a continuação de construção de fogos por todo o pais, o governo pretende ainda assim que os agregados familiares no limiar da pobreza tenham, intermediados por bancos, que continuar a endividar-se e assim prolongar no tempo a sua situação.

Distribuição de refeições a quem não conseguir providenciar para si e para a sua família pelo menos duas refeições diárias e distribuição gratuita de alimentos fora da rede de estabelecimentos de restauração. Esta distribuição já existe há muito tempo, não tendo qualquer dos governos anteriores feito nada em relação a ela. Em vez de criar alternativas para as pessoas terem meios de adquirir condignamente os seus alimentos, pretende que as famílias carenciadas se ponham em fila para receber a sua comida caridosa.

Simplificar a legislação para baixar custos e acabar com alguma complexidade injustificada no funcionamento das instituições sociais. As IPSS, bandeira deste governo da caridadezinha, verão abertas as portas para uma série de ilegalidades e explorações que já praticam, que o próprio governo já anunciara: pessoas que recebem o subsídio de desemprego serem obrigadas a trabalhar nestas instituições com remuneração abaixo do salário mínimo para poderem manter o subsídio de desemprego, contratos abaixo do salário mínimo, recepção de estruturas sociais para exploração por iniciativas privadas, pessoas que trabalham a falsos recibos verdes para IPSS e outras caridades, e outros casos similares.

Aumentar em 20 mil o número de vagas em creches da rede pública. A rede pública de creches está em desmantelamento e é já muitíssimo difícil aceder aos serviços da mesma, não estando obviamente prevista uma expansão do financiamento ou um aumento da rede. Perguntamo-nos assim como será possível a implementação desta medida e respondemos imediatamente: com a entrega desta rede às IPSS e às Misericórdias, abdicando o país da laicidade da educação desde a mais tenra idade.

Aumento dos valores mínimos das pensões sociais e rurais. Nos últimos 2 anos estas pensões, graças às medidas de austeridade do governo anterior, aprovadas também pelo PSD, não tiveram nenhuma actualização, o que resultou numa redução do seu valor real. O governo agora promete apenas actualizar estas pensões de acordo com a taxa de inflação. Ou seja, coniven
te com a perda do valor das pensões mais baixas nos últimos anos, o governo pretende assim apenas manter o valor das pensões mais baixas de todas – que não chegam aos 250€/mês – e condena milhares de pensionistas, que em muitos casos foram impedidos de descontar para a Segurança Social pela ditadura, à extrema pobreza. A linha de comunicação é a seguinte: “vamos aumentar as pensões mais baixas”. Mas a verdade é que o aumento não é real e a miséria mantém-se.


Promoção de trabalho activo e solidário, empregabilidade de desempregados com mais de 45 anos, e de desempregados de longa duração. Não especificando como alcançará esta medida, é de prever a utilização de métodos coercivos para a aceitação de sub-emprego para os desempregados com mais de 45 anos e de longa duração, sob a chantagem de (ainda mais) cortes sociais. As IPSS serão com toda a probabilidade o maior receptor desta mão-de-obra barata, embora seja expectável que algumas empresas possam também usufruir destas propostas de caridade, que mais não farão que aumentar a chantagem sob o valor do trabalho em Portugal e perpetuar o ciclo vicioso da caridadezinha e pobreza.

Educar os mais jovens para lidar com o dinheiro e com os problemas de sobre-endividamento. Expressão máxima da demagogia destas propostas, que coloca sobre a população mais frágil a responsabilidade do sobre-endividamento da economia portuguesa, procurando fazer parecer que a situação actual se deve não à gestão catastrófica de uma economia de dívida pelas empresas privadas, com o apoio dos últimos governos. Através de práticas que contrariam todos os princípios da transparência económica, os governos colocaram directamente na mão de privados dinheiros públicos que simplesmente desapareceram e que deveriam ter sido aplicados na melhoria da população e da sociedade. E agora querem criar nos jovens mais desfavorecidos um sentimento de culpa que de modo algum lhes pode ser imputado.

(Continua)
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