Contrato Social ou Caridadezinha? – Programa de Emergência Social (2 de 2)

O governo promove, através das medidas de austeridade, cortes colossais nos apoios sociais em todas as suas vertentes, preterindo declaradamente o bem-estar dos cidadãos portugueses nas suas opções de governação. Em seguida apresenta um programa de 400 milhões de euros para salvar a face e aparentar ter algo similar a uma consciência social. É uma estratégia propagandística e não um balão de oxigénio para as famílias e os mais necessitados – é um balão de oxigénio para o próprio governo.



(continuação)

Implementar tarifas sociais nos transportes públicos. Redução do preço dos bilhetes e passes para os mais desfavorecidos. Depois dos aumentos deste mês nos transportes públicos e dos aumentos anunciados para o ano que vem, assim como a anunciada privatização de fatias significativas da rede de transportes públicos e a extinção de muitas carreiras e linhas de comboio, este governo pretende introduzir tarifas sociais para os transportes públicos. O que se prevê é portanto que aumentarão as tarifas para toda a gente e depois, para aparentar magnanimidade, os transportes serão um pouco menos caros para quem já não tem capacidade de se bastar (no entanto continuarão a ser mais caros do que eram). Uma estratégia típica de dividir para reinar.

Tarifas sociais no gás e na electricidade. Tarifas reduzidas para 50 mil famílias na electricidade e para 150 mil no gás. Está proposta e quase concluída a privatização das redes de gás e electricidade. O governo pretenderá, depois dos aumentos já evidentes e decorrentes destas privatizações, subsidiar as empresas privadas, pagando-lhes a diferença para os exorbitantes valores que estas começam a cobrar. Novamente aumentarão as tarifas para todos e depois haverá uma pequena redução para os mais desfavorecidos. Estes parecerão ter sido beneficiados, mas pagarão na mesma mais pelo gás e pela electricidade. Repete-se a estratégia do dividir para reinar.

Combater o abandono escolar, o insucesso escolar e apostar na educação dos jovens oriundos de bairros problemáticos. Novamente uma manifestação de intenções não explicada, que com toda a probabilidade não será concretizada e que, devido à frequência com foi proferida nas últimas décadas, não tem qualquer valor.


Continuar a apoiar as bolsas de estudo do ensino superior e de outros níveis de ensino. Depois dos cortes sucessivos nas bolsas de estudo que vêm decorrendo nas últimas décadas, que têm impedido crescentemente o acesso ao ensino superior a milhares de jovens, o governo vem falar em “continuar a apoiar”. Além dos sucessivos cortes em quem pode usufruir das bolsas, também os valores das mesmas têm sido sucessivamente cortados. “Continuar a apoiar” deste modo significa que muito em breve estas bolsas desaparecerão.
Idosos: reforçar o apoio domiciliários para não transformar “Portugal num país de lares”, reforçar a linha telefónica Tele Lares, para responder às necessidades dos idosos mais necessitados, criar centros de noite para que os idosos necessitados possam desfrutar de uma refeição e de uma cama, aumentar a vigilância junto dos idosos que vivam em locais isolados e melhorar o acesso dos idosos à saúde. Não é explicado como será reforçado o apoio domiciliário nem quem criará os centros de noite. Provavelmente esta tarefa será entregue às Misericórdias e às IPSS, demitindo-se o Estado desta
sua função. É difícil compreender como será melhorado o acesso do idosos à Saúde, especialmente quando o acesso geral à Saúde segue a trajectória inversa.
Apostar na empregabilidade de pessoas com deficiências, e lançar o programa Rampa para promover a mobilidade dos deficientes motores nas cidades portuguesas. Apostar na empregabilidade das pessoas é também da responsabilidade do Estado, melhorar ainda mais as condições das pessoas com deficiências e promover a sua mobilidade não é uma questão de emergência social, é uma obrigação do Estado, em todas as alturas.
Promover o voluntariado social, rever o enquadramento legal do voluntariado, baixando a idade mínima para prestar este serviço dos 18 para os 16 anos e criar bancos de horas nas empresas para promover o voluntariado. Nesta proposta o governo propõe-se mais uma vez deitar por terra a legislação laboral, criando todas as condições para aumentar a chantagem sobre os desempregados e baixar os custos da mão-de-obra em todo o espectro do Trabalho no país. A proposta de criar bancos de horas nas empresas para promover o voluntariado não é de todo clara: pretenderá o governo que as pessoas trabalhem voluntariamente para as empresas? ou pretenderá o governo que as pessoas abdiquem de horas de trabalho e remuneração para haver mais emprego nas empresas? ou pretenderá o governo que as empresas cedam trabalhadores para voluntariado, não lhes pagando estas horas? ou pretenderá o governo que as empresas cedam horas de trabalho para que trabalhadores seus trabalhem em voluntariado? Infelizmente, o apelo do governo, que se tem massificado, à expansão do trabalho voluntário terá uma consequência nefasta neste momento recessivo: reduzirá o emprego. Ao apelar a uma aumento significativo do trabalho voluntário, serão desempenhadas gratuitamente funções por pessoas que não receberão vencimento e portanto perder-se-á a possibilidade de empregar pessoas para estas funções, o que poderia ajudar a reduzir o desemprego.

Em vez de cumprir as suas responsabilidades sociais, o governo, numa situação de crise, demite-se daquilo para que foi mandatado e entrega estas responsabilidades à caridade. Nada temos contra a caridade, mas a caridade não substitui o Estado Social. Temos 1900 anos de sociedades que responderam aos seus problemas sociais com caridade. Esta estratégia nunca funcionou. É uma estratégia ultra-conservadora que pretende a estratificação rígida da sociedade em classes ricas e beneméritas e classes pobres e miseráveis, dependendo da caridade e da boa-vontade das classes ricas. Garantiu sempre a manutenção da pobreza.

Literalmente, não estamos dispostos a dar para este peditório.

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