Desmontando: ciclo de debates e reflexão

No último Domingo reunimos na sede associativa MOB para aprender e falar sobre o salário. Quais as desigualdades, como se estruturam, qual o limite do senso comum e quais as formas que temos para, apoiados em análises concretas e científicas, combater o regime de austeridade e a demonização do salário pelos governos e políticas de austeridade.

Convidámos para essa conversa, Ricardo Moreira – membro da Associação de Combate à Precariedade – PI) e autor de tese (mestrado) sobre trabalho temporário e desigualdade salarial e Renato do Carmo – Professor do ISCTE e Investigador do CIES-UL. Doutorado em Sociologia pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL).

Analisámos em conjunto a crueza dos números que caracterizam a vida de um país de baixos salários e de desigualdades várias, nacionais e internacionais. A desigualdade que nunca foi combatida no local onde é mais eficaz, ou seja, através da redistribuição de riqueza nos locais de trabalho, nos salários. Essa é a perspetiva que pode dar mais força aos trabalhadores e tornar mais difícil o assalto que hoje conhecemos às nossas vidas.

Foi constatada a realidade, tantas vezes escondida, de que as desigualdades se fazem não só através do desequilíbrio entre capital e trabalho mas também dentro dos vários segmentos salariais, nomeadamente no sector privado. Aqui, o fosso das desigualdades salariais, das injustiças e da má distribuição da riqueza produzida, ultrapassa em muito o sector público. Afinal, o sector privado não só não resolve os problemas de produção como não é o sonho da gestão moderna, pelo menos, para a maioria.

Portugal é um país onde as desigualdades tiveram um padrão de ligeira diminuição ao longo dos últimos 20 anos, resultado de algumas políticas sociais suportadas pela Segurança Social, quase sempre a várias franjas de cidadãos em dificuldades, trabalhadores ou não. O salário, esse, direto e indireto, foi sempre baixo e por isso se verifica a persistência das desigualdades, da fraca mobilidade social, das dificuldades em abandonar o estigma da nascença. Nunca vivemos acima das nossas possibilidades. Quem pode ser empreendedor quando não se tem o essencial para a vida? A realidade contradiz o governo que nos manda emigrar. Não nos falta coragem nem somos piegas, temos apenas a marca de um país sob um ataque, executado por um governo que se comporta como um gang.

Um dos segmentos de trabalhadores que demonstra a oportunidade que a precariedade oferece à exploração é o segmento dos trabalhadores temporários. Em 2009, no início da crise, estes trabalhadores, por verem o seu contrato de forma contínua e individualmente “negociado”, sofreram uma enorme perda de salário imediatamente, tendo o salário médio baixado cerca de 100€ em menos de um ano. Os resultados do isolamento dos trabalhadores, da chantagem, e da facilidade dada aos empresários para uma gestão incompetente, resulta necessariamente na baixa dos salários, porque é fácil tirar a quem está precário e isolado.

A única alternativa à precariedade é a mobilização coletiva em torno da dignificação do trabalho. É a compreensão de que as desigualdades se vencem e se combatem no mesmo terreno que a crise: no local de trabalho. A dignificação dos salários é o combate determinado às desigualdades. É exatamente ao contrário do que a hegemonia política tem executado: tem de ser difícil baixar os salários, tem de ser difícil despedir, para que a gestão considere de forma séria o investimeno em conhecimento, em mão de obra qualificada, em diferenciação pela qualidade, em dignificação dos trabalhadores, e não, pelos baixos salários e exploração intensiva.

Agradecemos mais uma vez ao Professor Renato do Carmo e ao Ricardo Moreira a oportunidade dada para analisarmos e debatermos o tema, e continuamos com a conversa e articulação de ideias já no próximo Sábado, com um filme que procura lançar o debate sobre a forma da organização da produção. Aparece, para a conversa em “Desmontando: o quê e como produzimos”, às 17h no MOB, Bairro Alto.

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