Erro 3: a flexibilidade protege os trabalhadores | Este país não é para quem trabalha: os erros de Helena Matos e José Manuel Fernandes

imagesCapítulo final da versão total da nossa resposta ao livro de Helena Matos e José Manuel Fernandes.

«HM e JMF deixam-nos, por fim, algumas pistas e soluções para a “guerra de gerações” em Portugal. A primeira é enfrentar um problema de desigualdade – “A incapacidade para, ao longo dos anos, das décadas, alterar uma situação de flagrante desigualdade e causadora de enorme ineficiência ficou a dever-se à persistência do tabu existente em torno da impossibilidade de proceder a despedimentos individuais a não ser em circunstâncias muitos restritivas e limitativas”. E, uma vez mais, os autores lamuriam-se pelos jovens – “Para os mais novos, os que chegaram mais tarde ao mercado de trabalho, estes excessos de regulamentação e de proteção traduzem-se em maiores taxas de desemprego.”

Defender em Portugal, o país com a terceira maior taxa de desemprego da União Europeia, que despedir é difícil, apresenta-se como um desafio ousado. Culpabilizar os trabalhadores mais velhos pelo desemprego dos mais jovens, sem escrever uma linha sobre a maior crise financeira dos últimos 80 anos e as políticas de austeridade, uma ousadia ainda maior. Mas concentremo-nos nas soluções de HM e JMF. São três, todas baseadas no modelo da flexibilidade e da desregulamentação como dinâmica para a criação de emprego.

A primeira passa por procurar “um equilíbrio mais dinâmico nas relações entre empresas e trabalhadores, um equilíbrio capaz de favorecer a mobilidade e a formação ao longo da vida, mas também o acesso dos mais novos ao mercado de trabalho”. Os autores condensam aqui o desejo de uma relação individualizada entre o patrão e o trabalhador, regida pela liberdade do mercado. A dinâmica deste novo equilíbrio apaga o princípio do Direito do Trabalho – a desigualdade de forças entre patrão e trabalhador – e remete para o porão da história os sindicatos e organizações dos trabalhadores, destruindo os contratos colectivos e a capacidade de organização colectiva. A memória de um tempo anterior à democracia já nos ensinou que temos pouco a ganhar com esta proposta.

A segunda solução é ir ainda além da troika e do próprio governo, revendo as “garantias dadas aos trabalhadores em caso de despedimento e desemprego, assumindo que a rotação entre postos de trabalho deve ser a situação normal”. Facilitar e embaratecer o despedimento, e retirar o apoio no desemprego para criar emprego. A realidade dos últimos três anos, como sabemos, prova que ocorre precisamente o contrário.

Mas é na terceira solução que reside a quimera final de HM e JMF: acabar “com o sistema segmentado e dual, criando um regime tendencialmente único de contrato de trabalho, muito mais flexível e, provavelmente, não limitado pelo conceito de ‘justa causa’”. A simplicidade da medida concretiza toda a linha de argumentação: se todos tiverem um único tipo de contrato, desprovido de qualquer protecção ou direitos, sem apoio no despedimento, acaba-se a desigualdade. Trabalhadores mais e menos novos sujeitos ao mesmo regime de trabalho descartável.

Esta solução caricatural, pela igualização do abuso e dos níveis de exploração, tenta atingir o conceito de precariedade na sua base histórica, que explica a deterioração das relações contratuais e laborais ao longo do tempo, feita a partir do ataque aos direitos conquistados pela acção colectiva dos trabalhadores. Impedir esta normalização da precariedade é a tarefa mais importante de quem vive do trabalho em Portugal nas próximas décadas. Um tempo onde o fosso entre ricos e pobres e a oposição entre quem defende e aqueles que se opõem à política de austeridade continuará a importar mais do que a “guerra de gerações”.»

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