Erros de Mota Soares #5 | Confusão e inutilidade da obrigação de declarar rendimentos à Segurança Social
Porque não esquecemos nem podemos admitir que a hipocrisia passe impunemente, continuamos a revisitação dos vários erros que, no mandato e por responsabilidade de Pedro Mota Soares, afectaram milhares de pessoas que trabalham a recibos verdes. Para tentar branquear a atitude do primeiro-ministro na sequência da revelação do seu incumprimento nas contribuições para a Segurança Social, Mota Soares correu em defesa de Passos, afirmando que foi vítima de “um erro da Administração” e que “nenhum cidadão deve ser prejudicado por erros da Administração”. Recordamos, por isso, vários factos destes 4 anos do penoso mandato de Pedro Mota Soares. Situações em que preferiu sempre prejudicar os trabalhadores em vez de assumir as suas responsabilidades e corrigir as falhas. Hoje relembramos o atribulado historial da aplicação da regra inútil que obrigava à “declaração do valor da actividade” e que actualmente determina o preenchimento do “Anexo SS” .
Em 2012, devido à entrada em vigor do Código Contributivo no ano anterior, era pela primeira vez solicitada mais uma obrigação aos trabalhadores a recibos verdes: a entrega de uma declaração de rendimentos anuais à Segurança Social. As novas regras determinavam a entrega desta “declaração do valor da actividade” até dia 15 de Fevereiro de cada ano, com informação relativa aos rendimentos do ano anterior: o valor dos rendimentos obtidos, por cada entidade a quem se passaram recibos. Uma regra nova, completamente desconhecida pelos trabalhadores e totalmente imprevisível, porque estes dados estão já todos em poder da Administração. A obrigação viria a ser justificada com a necessidade de aferir as situações em que os rendimentos se concentram (em 80% ou mais) numa só entidade empregadora (que, desta forma, ficaria obrigada ao pagamento de 5% adicionais; pagamento esse que, por sua vez, cobriria uma prestação na eventualidade de desemprego).
Como cedo avisámos, esta regra não era conhecida e os serviços não prestaram a devida informação aos trabalhadores. Além de falhar os esclarecimentos atempados e preparar devidamente esta inútil e gigantesca operação burocrática, Mota Soares deu instruções para que a entrega da declaração fosse feita exclusivamente através do portal da Segurança Social Directa. Esta decisão tornou o cumprimento desta obrigação ainda mais difícil: para quem não tinha acesso à plataforma, os pedidos de senha demoram à volta de uma semana. Perante a falta de informação, milhares de pessoas tomaram conhecimento demasiado tarde e enfrentavam agora a imposição de multas por incumprimento. Perante a pressão e as queixas dos precários, Mota Soares foi obrigado a recuar e alargou o prazo de entrega até ao final desse mês de Fevereiro. Como sempre, a justificação foi dada pelos serviços, que se limitaram a dizer que na origem do problema estiveram os sempre convenientes “problemas informáticos”; como em todas as situações em que se exigia a sua responsabilidade, Mota Soares manteve-se em silêncio e tentou dissimular o recuo.
O processo foi desgastante e, apesar do alargamento do prazo, terá deixado ainda algumas pessoas em situação de incumprimento. Perante a evidência de que se tratava de um procedimento desajustado e impraticável, Mota Soares foi forçado a mudar as regras no ano seguinte. Terminou a obrigação da declaração dos rendimentos à Segurança Social, o que era também o reconhecimento do falhanço absoluto do processo do ano anterior. Mas, apesar da sua inutilidade, esta obrigação era substituída por outra: o preenchimento e entrega, na declaração de rendimentos do IRS, de um anexo com essa informação. Esta nova obrigação, que se mantém até hoje, é igualmente incompreensível, porque a informação já está ao dispor da Administração e porque a própria declaração de rendimentos às Finanças inclui esses mesmos dados. E, não menos importante, os recibos verdes, agora “electrónicos”, passam a ser integrados num sistema totalmente informatizado.
O formato mudou, mas manteve-se a conduta irresponsável e o desprezo de Mota Soares pelos trabalhadores a recibos verdes. Por isso, os resultados foram exactamente os mesmos do ano anterior, rigorosamente pela mesma sequência. Desde logo, a falta de informação e o inferno burocrático manteve-se para os trabalhadores. Assim, sem surpresa, o novo “Anexo SS” tornou a ser um mistério para os seus destinatários, uma nova obrigação que era desconhecida, o que levou a um novo incumprimento generalizado. Apesar da óbvia inadequação do processo e da omissão das obrigações mais básicas de informação e apoio, as multas voltaram a ameaçar as vítimas. Pressionado pelo protesto e pela evidência de mais um processo falhado, Mota Soares vê-se novamente forçado a recuar e é obrigado a alargar o prazo de entrega desta declaração.
Este processo revela bem a forma improvisada e oportunista como Mota Soares executa o seu mandato: fuga às responsabilidades, desorientação e desprezo pelos contribuintes que vivem do seu trabalho e constroem a Segurança Social pública. Perante os graves problemas criados por um sistema que criticou duramente no passado, o ministro agravou as injustiças do regime de contribuições e tornou ainda mais distante e atribulada a relação entre a Segurança Social e quem trabalha a recibos verdes. Agravando a situação, em vez das profundas alterações que são necessárias, Mota Soares respondeu aos problemas com uma conduta sempre orientada pelos seus objectivos políticos particulares: os remendos tornaram-se frequentes, tornando o regime ainda mais complexo e incompreendido pelas pessoas que o integram, mas também cada vez mais difícil de interpretar e cumprir por parte dos serviços. Sobre isso continuaremos a falar amanhã.
Ver também:
Erros de Mota Soares #2 | Cobrança indevida e posicionamento em escalões superiores em 2012
Erros de Mota Soares #4 | “Subsídio de desemprego”, um logro e sem verdadeira implementação
by