Erros de Mota Soares #6 | O embuste e as falhas da reavaliação dos descontos e da “flexibilidade contributiva”

Continuamos a recordar os erros graves que, em 4 penosos anos de mandato de Pedro Mota Soares, afectaram gravemente quem trabalha a recibos verdes. Não esquecemos, nem podemos admitir que a hipocrisia passe impunemente: Mota Soares, ao tentar branquear a atitude do primeiro-ministro, quis converter o incumprimento das obrigações contributivas de Passos num pretenso “erro da Administração” e afirmou que “nenhum cidadão deve ser prejudicado por erros da Administração”. Fala o ministro que colecciona erros geridos de forma inqualificável, situações de grande impacto que se repetiram e em que preferiu sempre prejudicar os trabalhadores em vez de assumir as suas responsabilidades e corrigir as falhas. Hoje recordamos o sinuoso percurso de mais um pacote emblemático de medidas sem aplicação, marcada por erros e omissões: da revisão do valor dos descontos com base na quebra de rendimentos à “flexibilidade contributiva”, o padrão foi novamente a propaganda e o improviso.

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Em Março de 2012, aquando da apresentação pelo Governo de um Orçamento Rectificativo, o ministro Pedro Mota Soares vem anunciar uma nova regra: a possibilidade dos trabalhadores a recibos verdes solicitarem a reavaliação da sua base de incidência em caso de quebra de rendimentos. Pressionado pelos erros que prejudicaram milhares de trabalhadores e que já se acumulavam desde o ano anterior, mas também pela evidência de um sistema injusto que o tinha levado a fazer promessas quando estava na oposição, Mota Soares define-se enquanto um mero intérprete de propaganda. Esta é uma das várias medidas anunciadas como emblemáticas, pretendendo convencer temporariamente os trabalhadores de que meros remendos podem resolver os problemas de um regime injusto. Não foi só o facto das normas concretas que foram introduzidas na legislação se terem revelado extremamente restritivas e de alcance limitado: mais grave é que, como todas as suas manobras mediáticas, não teve verdadeira aplicação.

Mais de um ano depois do anúncio da medida, apesar de potencialmente abranger poucas situações, era visível que não estava a ser implementada. Em Maio de 2013, o Provedor de Justiça intervém junto do Ministério de Mota Soares. A mensagem era clara e baseada num estudo sobre a aplicação das regras das contribuições dos recibos verdes: no ofício dirigido ao Ministério, era afirmado que os trabalhadores continuavam a ser prejudicados por erros técnicos, que era urgente acabar com o deferimento temporal entre o momento em que os rendimentos são auferidos e aquele em que são referência para o pagamento das contribuições e, como vínhamos denunciando, que não estava a ser aplicada a emblemática reavaliação do valor dos descontos por quebra dos rendimentos. Perante regras injustas e que acumulvam problemas com graves consequências, nem o anunciado paliativo estava a ser cumprido.

Perante a evidência de mais um embuste, Mota Soares volta à sua rotina: um remendo em cima de outro, preocupação apenas com a gestão mediática dos seus erros e improvisos. Assim, ainda em 2013, no âmbito da proposta de Orçamento de Estado para 2014, surge mais um pacote de enganos para os trabalhadores a recibos verdes e uma nova guinada de Mota Soares: terminava a regra da reavaliação da base de incidência contributiva por quebra de rendimentos (sem nunca ter sido aplicada de facto), sendo agora substituída pela “flexibilidade contributiva”. A nova regra, pensada logo em forma de soundbyte, representava o aprofundamento do desligamento entre rendimentos e contribuições, apesar dos esforços para tentar convencer os trabalhadores que vinha aí a possibilidade da “livre escolha do escalão”.

Mais uma vez sem informação, agravando ainda a complexidade e a carga burocrática do sistema, a nova regra é aprovada e entra em vigor em 2014. Supostamente, passava a ser possível solicitar o reposicionamento, até dois escalões abaixo ou acima, em Fevereiro e Junho de cada ano. Um pedido que deveria ter aceitação incondicional e imediata, mas, como sempre, não foi assim: em Junho acumulavam-se já vários pedidos sem resposta e era claro que a medida não estava a funcionar. Mais uma vez.

Em Outubro, uma reportagem da TVI revelava outras consequências graves para os trabalhadores. Nos poucos casos em que os pedidos foram atendidos, o pagamento do novo valor não estava disponível nos terminais Multibanco, obrigando à deslocação para pagamento nas tesourarias das sedes distritais da Segurança Social. Uma vez mais, nada tinha sido preparado, tudo se resumia ao total improviso e à mais básica manobra de propaganda, com consequências graves para as vítimas desta vergonhosa forma de conduzir situações tão sensíveis. O Provedor de Justiça intervém novamente, dizendo que o faz pela “segunda vez” sobre a regularização da situação dos trabalhadores independentes que requereram redução de escalão: o ofício dirigido à direcção do Instituto da Segurança Social demonstra bem o incómodo do Provedor com a não verificação das garantias dadas em resposta anterior, que alguns meses antes assegurava que o problema informático – sempre os problemas informáticos… – já estava ultrapassado e os pedidos finalmente a ser atendidos. Foram 9 longos meses e mais de 6 mil pessoas prejudicadas, enganadas por uma medida que só estava na lei para ser anunciada.

Além do mais, demonstrou-se aqui uma particular irresponsabilidade e alheamento do ministro face à própria capacidade dos serviços responderem a alterações legislativas apenas pensadas para efeitos mediáticos, sem qualquer preparação ou averiguação dos recursos e capacidade do sistema. Por tudo isto, esperava-se o pior para o processo de enquadramento anual que se avizinhava: é que, além do mais, as novas regras terminavam com o anterior posicionamento automático no escalão imediatamente inferior e obrigavam os trabalhadores a requerer a alteração de escalão por sua iniciativa. Quando tudo já tinha corrido mal, agora o sistema era sujeito a uma mega operação, que, mesmo sem esta nova regra, tinha falhado sistematicamente nos anos anteriores. Infelizmente, confirmou-se o pior. É sobre isso que falaremos amanhã.

Ver também:

Erros de Mota Soares #1 | Milhares de trabalhadores prejudicados por erro generalizado no posicionamento nos escalões em 2011

Erros de Mota Soares #2 | Cobrança indevida e posicionamento em escalões superiores em 2012

Erros de Mota Soares #3 | Enquadramento anual em 2012 com mais erros volta a prejudicar trabalhadores

Erros de Mota Soares #4 | “Subsídio de desemprego”, um logro e sem verdadeira implementação

Erros de Mota Soares #5 | Confusão e inutilidade da obrigação de declarar rendimentos à Segurança Social

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