Esquizofrenias

2% das pessoas que vivem em Portugal acredita na austeridade. Entre esses 2% deverão estar Pedro Passos Coelho e Aníbal Cavaco Silva. À beira do 2º resgate amplamente anunciado, o primeiro diz, depois da maior derrota autárquica de sempre do seu partido, que o rumo é para manter, que o programa está a correr bem e quase a acabar. O segundo, na maior depressão (amplamente ultrapassando uma recessão económica) que a sociedade portuguesa viveu na última décadas, diz que acabou a recessão.

Tomada Posse - Secretários Estado XIX Governo

O limite do razoável já há muito foi ultrapassado. À frente das decisões mais importantes para a vida de milhões de pessoas que vivem nos países subjugados ao regime da troika, estão pessoas dotadas da grande capacidade de ignorar tudo o que se passa à sua volta, de refutarem todas as evidências e de rejeitarem todo e qualquer objectivo lógico que não favoreça os interesses de uma minoria cada vez menor, esmagando povos inteiros para consegui-lo. Estas pessoas, comportando uma função similar à de capatazes, dotaram-se a si mesmas da capacidade de manter uma cara séria enquanto das suas bocas saem as maiores incongruências, contradições e surtos aparentemente esquizofrénicos, quando comparando não apenas com o que disseram não há 1 ano atrás, mas há 1 dia atrás. São os tempos de todas as mentiras, de todas as falsificações, os tempos da inversão da realidade.

Ontem, em reunião de rescaldo das eleições autárquicas, Passos Coelho não assumiu a derrota, colocando a responsabilidade sobre todo o partido (que aceita o rumo nacional, naturalmente), antigos líderes que criticaram a derrota, abstencionistas, votos branco, nulos e “populismo”. Garantiu finalmente que não vai mudar de rumo. A recusa de referir à iminência do segundo resgate, destacando o “bom caminho” esclarece do que estamos a falar: o alheamento total da realidade, a que todo o seu partido adere abnegadamente.

Cavaco Silva, por outro lado, está convencido de que não haverá segundo resgate, apesar dos mercados estarem sempre atentos, quais deuses no Olimpo, em particular à estabilidade política (qual?) do país. Finalmente proclamou o fim da recessão, o maior crescimento da União Europeia e, portanto, o brilhante futuro que há pela frente, com uma economia e uma sociedade em estado de colapso iminente.

É esta a fina-flora que lidera o país, em coligação governo-presidencialista, dois cargos unidos na recusa da realidade e na propaganda pura que é reconhecida a nível nacional como a mais límpida mentira. A troika mantém-nos, numa união da dissimulação e da esquizofrenia. Cada pedaço de realidade mostra o alheamento de quem lucra com esta crise, cada novo dado mostra quão urgente é livrarmo-nos destas esquizofrenias que são contagiosas.

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