Estivadores no olho do furacão – Entrevista com António Mariano (parte 1)
Os portos de Portugal são um dos principais centros da crise da austeridade. A perspectiva estratégica afirmada pela troika e pelo seu governo apontam sempre para a exportação máxima depois de se abrir o mercado interno ao saque dos recursos naturais e da mão-de-obra. Os portos são o vértice e a materialização da estratégia da economia de extracção máxima. Ainda assim o Governo mantém a sua linha ideológica mais dura, o ataque total ao Trabalho, que quer a precarização e o desemprego. Expostos às pressões máximas e a chantagens ao mais alto nível, os estivadores têm conseguido manter uma luta coerente e uma rede forte de solidariedade nacional e internacional.
Entrevistámos António Mariano, presidente do Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul de Portugal, sob a actual situação. Mariano tem conseguido uma forte posição dos estivadores e, enquanto seu dirigente, estabelecer importantes pontes para que esta luta seja muito visível, acompanhando a grande combatividade dos estivadores e das suas organizações. É um dos subscritores da manifestação “Que Se Lixe a Troika, o Povo é Quem Mais Ordena” e tem tido importantes confrontos com governo e operadores, tendo-se revelado um adversário temível dos defensores da precarização e do desmantelamento dos direitos laborais dos estivadores.
Passados meses de uma luta encarniçada contra uma nova Lei dos Portos (Lei do Trabalho Portuário) a mesma foi aprovada a 7 de Dezembro pela maioria PSD/CDS. A precarização, objectivo máximo desta lei, e a destruição dos contratos colectivos de trabalho (CCT) está em plena implementação e só desde essa altura foram despedidos 47 estivadores no Porto de Lisboa.
PI: Que efeitos concretos teve a flexibilização que foi forçada aos estivadores através da Lei do Trabalho Portuário do ano passado?
AM (António Mariano): As alterações à legislação do Trabalho Portuário aprovadas no final do ano passado começaram a ter efeito a partir da entrada em vigor da mesma em 1 de Fevereiro deste ano ao nível da criação de desemprego e de aumento da precariedade, tal como nós alertámos, desmentindo o que Sérgio Monteiro, Secretário de Estado dos Transportes prometia. A queda da exigência de carteira profissional e a admissão nos portos de todas as variantes contratuais, de forma quase vitalícia, vieram fragilizar e precarizar a profissão dos estivadores.
A diminuição do nosso âmbito de actividade, preconizada na Lei, veio também potenciar o aumento dos despedimentos no sector porque a mesma excepciona do seu âmbito a “utilização de trailers ou veículos pesados de transporte de mercadorias … o trabalho relativo à movimentação e arrumação de mercadorias em armazéns, bem como em parques e outras infraestruturas de plataformas logísticas ainda que integradas em zonas portuárias e … o controlo de entradas e saídas de mercadorias em portarias”.
Ainda antes da entrada vigor da lei, a 27 de Janeiro, as empresas de Lisboa despediram 18 estivadores para no dia 28 de Junho, a seguir à greve geral, terem despedido mais 29 estivadores, todos eles com mais de 6 anos de trabalho contínuo no porto e, em grande parte, com famílias constituídas. Estes despedimentos são inadmissíveis, até porque o volume de trabalho tem vindo a aumentar este ano e a lei nem sequer está em vigor no que diz respeito às exclusões referidas, porque a mesma determina um prazo de 12 meses para negociar a compatibilização do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT) com a mesma. E ainda que esta lei estivesse totalmente em vigor existe espaço para estes estivadores despedidos poderem trabalhar diariamente com um estatuto permanente no porto.
PI: Foram estas as razões que os levaram a iniciar um novo ciclo de formas de luta?
AM: Para além dos problemas criados pela nova lei e de repudiarmos os despedimentos que o “outro lado” afirmava, nunca iriam acontecer, temos um problema adicional no porto de Lisboa porque as empresas entenderam que o actual CCT já não vigorava – embora frequentemente tenham escrito o contrário – bem como uma série de Protocolos e Acordos que, juntamente com esse CCT, denunciaram a 13 de Março e entraram num processo contínuo de incumprimento de toda esta regulamentação, legislação incluída.
Foram estas violações constantes que nos forçaram a declarar uma greve, normalmente de uma hora diária, que se iniciou em 25 de Junho e está neste momento declarada até 18 de Setembro. Poderemos dizer que é uma greve reactiva, uma greve de protecção contra estes ataques. Evitamos assim, por exemplo, que as empresas introduzam no circuito da operação elementos estranhos que possam elevar o risco de perigosidade do nosso trabalho, o que já faziam ultimamente em violação do CCT em vigor.
(Continua amanhã)






