FCT: Químicos, Sociólogos, Filósofos e Linguistas contestam concurso
Foram recentemente divulgados os resultados das candidaturas da FCT de 2013 das unidades de investigação a fundos públicos (notícia aqui). Não sendo diferente dos recentes concursos da FCT, este processo esteve mais uma vez envolto em polémicas e longe de ser um concurso transparente e exemplar, como deveriam ser todos os concursos públicos.
Em primeiro lugar, a avaliação foi entregue a um painel de investigadores da Fundação Europeia para a Ciência, que o Conselho de Laboratórios Associados descreveu como sendo “uma organização sem experiência na matéria, em graves dificuldades e em vias de extinção” (notícia aqui).
Por outro lado, quando os resultados foram publicados, tornou-se evidente o cataclismo que iriam provocar nas instituições. Das 322 instituições candidatas, 154, cerca de metade, tiveram uma classificação igual ou inferior a “bom”, ficando de fora da corrida para contratar investigadores (pois a avaliação das instituições entra para a avaliação das bolsas individuais atribuídas). Destas unidades de investigação 71 tiveram classificação inferior a “bom”, ou seja, até ao próximo período de avaliação, entre 2016 e 2017, é-lhes negado qualquer financiamento. As restantes 83 foram classificadas como “bom” e receberão um financiamento que poderá ser da ordem dos 5000€ anuais. Talvez consigam continuar a manter uma fotocopiadora em funcionamento. Nestas 154 unidades de investigação trabalhavam 5187 investigadores. Nas 71 unidades classificadas como “razoável” ou “insuficiente” estavam 1904 investigadores, que serão despedidos de forma gradual ao longo dos próximos anos (ler mais aqui). Trata-se de mais um processo de despedimento colectivo de investigadores promovido por Nuno Crato e Miguel Seabra, depois do que já aconteceu no concurso de Investigador FCT e nos concursos individuais de bolsas de doutoramento e de pós-doutoramento.
No entanto, as vozes críticas contra a estratégia do governo para a Ciência e Investigação avolumam-se (por exemplo,aqui a opinião de Carlos Fiolhais, físico e professor universitário), e desta vez várias centros e disciplinas reagiram em conjunto, denunciando o processo lamentável do concurso. Tal foi o caso da Sociedade Portuguesa de Química, do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa ,do Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa ou do Centro de Linguística da Universidade do Porto.
No seu comunicado, a Sociedade Portuguesa de Química (aqui) anuncia que 50% do total dos centros de Química em Portugal não passaram à segunda fase do processo de avaliação, pondo em causa o desenvolvimento da disciplina ao longo das últimas décadas. Estes centros de investigação apresentam indicadores de produtividade científica significativos, em avaliações anteriores receberam classificações de “excelente” ou “muito bom” e têm bons resultados na avaliação dos dados bibliométricos da FCT (ORCID/SCOPUS). A Universidade do Minho como a Universidade de Aveiro surgem no Rk1% do ESI, mas os seus centros de investigação, surpreendentemente, receberam uma má avaliação.
Num comunicado conjunto que inclui alguns dos mais reputados nomes da Sociologia em Portugal (disponível aqui), num exemplo de solidariedade entre colegas de unidades de investigação diferentes, é questionada a avaliação feita ao Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES) do Instituto Universitário de Lisboa, uma unidade de referência na área das ciências sociais, que recebeu uma classificação inferior a “bom”. Lê-se no comunicado que no CIES trabalham 120 investigadores; tem cursos de doutoramento de qualidade; publica a revista “Sociologia, Problemas e Práticas” que está referenciada na Web of Science; a sua editora, a “Mundos Sociais”, publica obras de referência; tem um importante trabalho de divulgação científica de ciências sociais; finalmente, criou observatórios ativos e abertos que sistematizam pesquisa sobre a realidade social contemporânea. Os sociólogos recusam-se a aceitar o relatório de avaliação absurdo enviado pela FCT que inclui pérolas como que as temáticas das desigualdades e das imigrações já foram “esgotadas em termos de publicações tanto ao nível local como europeu” (sic) e que são necessários “novos tópicos de pesquisa inovadores”. Mais do que uma avaliação, este relatório é a tentativa de impor uma censura científica, denunciam os subscritores.
O Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa (comunicado aqui) teve na primeira fase de avaliação, uma classificação de 18/20, 17/20 e 11/20. No final, perante a disparidade da terceira classificação, o CFUL viu-se excluído da segunda fase do processo de avaliação. O CFUL acusa a FCT de ter simplesmente ignorado a refutação que fizeram do terceiro parecer. O CFUL é provavelmente a unidade nacional de investigação em Filosofia com maior internacionalização e publicou, entre 2008 e 2012, 228 títulos em outras línguas (que não o português); no mesmo período publicou 18 artigos em revistas A/INT1 e 19 em revistas B/INT2; desde 2013 até hoje, publicou 60 estudos em inglês em meios internacionais de relevo, dos quais 27 em Top-ranking international peer-reviewd journal; é responsável por um projecto EUROCORES; um dos seus investigadores integrados recebeu uma bolsa Marie Curie para investigação em Filosofia; o CFUL publica a mais bem classificada revista de Filosofia do país Disputatio/INT2 no ERIH list e B no ERA ranking; o CFUL publica outra revista on-line, a philosophy@lisbon; finalmente, o CFUL é a única fonte em Portugal de traduções anotadas e comentadas de clássicos como Aristóteles, Husserl, Kierkegaard, entre outros, traduções essas que o terceiro avaliador comentou que em “nada acrescentam ao estado da arte” e desestimulam a aprendizagem das línguas originais. Cuidado, não vá a aprendizagem massificada de Grego Antigo, Alemão e Dinamarquês ser prejudicada por estas maldosas traduções!
Já o Centro de Linguística da Universidade do Porto (comunicado aqui), com 95 membros, lançou uma petição pública (pode ser assinada aqui) contra o seu encerramento, inevitável face ao resultado do concurso da FCT, que já conta com mais de 2300 assinaturas.
São quatro exemplos dramáticos, entre muitos outros, de centros de excelência comprovada que vêem a sua sobrevivência com os dias contados perante a parcialidade e franca incompetência da FCT.
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