Felicidade | Opinião
Hoje comemora-se o Dia Mundial da Felicidade. Num tempo em que esta parece cada vez mais longínqua, é preciso recuperar e recordar a perspectiva de que a procura da felicidade norteia a vida das pessoas. A felicidade no concreto. Perante o desemprego e a precariedade que corroem a vida (e consequentemente a felicidade) de mais de metade das pessoas que trabalham no país, a procura da felicidade está também na fila da frente da saída da crise e da situação catastrófica que as políticas seguidas criaram para a população.
A ambiguidade na definição da felicidade permite a muita gente dizer que o dinheiro não traz felicidade ou que a situação económica é independente do estado de espírito e da abstracção que definem como “felicidade”. No entanto é bastante claro que, abaixo de certo nível económico, a felicidade é uma ilusão. Entre as pessoas que não têm dinheiro para se bastarem até ao fim do mês (pelo menos 72% das pessoas que vivem no país), pensar na felicidade é uma perspectiva enganadora. Os promotores do “pensamento positivo” em si mesmo, que defendem que o estado de espírito é algo estritamente pessoal e individual, nunca devem ter ido dormir com fome.
Se se pode e deve questionar se acima de certo nível de riqueza mais dinheiro significa mais felicidade, algo é certo: abaixo de certo nível de rendimentos, a felicidade é um embuste, e portanto, se o dinheiro pode não ter uma correspondência directa com a felicidade, abaixo de certo nível, a sua falta é um garante da falta de dignidade humana, perspectivas de vida e de um mínimo de segurança, incompatíveis até com as mais distorcidas noções de felicidade.
A precariedade no trabalho como na vida é um obstáculo à realização das pessoas, à criação de perspectivas de vida, muitas vezes à própria dignidade e à segurança para o futuro. Sendo um prelúdio para o desemprego, a precariedade é a exposição das pessoas ao medo e à chantagem, procurando submetê-las. Hoje Carlos Moedas, secretário de Estado e ex-funcionário da Goldman Sachs, veio dizer que o desemprego em Portugal é estrutural e por isso inevitável, como se houvesse algo determinado divinamente e que impõe a miséria e a infelicidade como forma de vida. Estas declarações avulsas compõe uma ficção dirigida a que as pessoas baixem as suas expectativas e que aceitem a infelicidade, porque a procura da mesma choca contra uma “realidade” que lhes é externa e portanto inultrapassável. E também pretende desculpabilizar um governo que apostou desde o seu primeiro dia da sua governação na imposição da tristeza e da resignação para conseguir implementar o seu programa.
Mas a verdade é que o povo já respondeu a este governo, várias vezes. As mais poderosas demonstrações de que as pessoas deste país vão prosseguir na procura da felicidade, da realização, da dignidade, do auto-respeito e da perspectiva de futuro foram dadas a 15 de Setembro do ano passado e a 2 de Março deste ano. O plano da troika e do governo falhou porque as pessoas não aceitaram abdicar da luta para ser felizes. As pessoas podem ser os actores das suas vidas e exigir a felicidade como máxima na vida da sociedade.
Na Declaração da Independência dos EUA, escrita em 1776, Thomas Jefferson defendeu que todas as pessoas eram iguais e que havia direitos inalienáveis à condição humana, nomeadamente a vida, a liberdade e a procura da felicidade. E é isso que muitos dos defensores deste regime da austeridade não entendem: a procura da felicidade será levada ao extremo. A exigência e a procura da felicidade sobrepõem-se às suas narrativas e construir-se-ão, quer eles queiram ou não. Se não saírem do caminho, serão derrubados.
João Camargo
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