Governo tem de cumprir: sim, a legislação laboral tem mesmo de ser alterada

A viabilização do actual Governo assentou em vários compromissos, entre os quais uma forte mudança na política relativamente ao mundo do trabalho. Este compromisso deve concretizar-se basicamente em duas vertentes: o reequilíbrio das relações laborais, repondo direitos elementares após o ciclo anterior de perseguição e devastação social; e a instituição de um efectivo combate à precariedade, rompendo com décadas de cumplicidade das políticas públicas. São promessas que estão por realizar e correspondem ao mínimo que se espera deste mandato. Perante as pressões que se vão crescentemente afirmando, o Governo tem de escolher o lado de milhões de pessoas que prometeu proteger. E cumprir. Porque, ao contrário do que têm insistido comentadores e analistas, está muito por cumprir no acordo entre as forças que suportam o Governo.

Sim, é mesmo preciso mexer na legislação laboral. É esse o compromisso que não pode deixar de ser cumprido. São alterações que vão precisamente no sentido contrário do longo caminho de desregulamentação das últimas décadas, que entrou em plano inclinado nos últimos anos: recuperação dos rendimentos mais baixos, acabar com as normas que dão todo o poder aos patrões, inverter a liberalização do despedimento, reequilibrar as relações laborais e recuperar a contratação colectiva. E, pela primeira vez, iniciar um efectivo combate à precariedade, cumprindo a promessa de instituir um plano coerente com esse objectivo.

Nas últimas semanas, vêm-se sucedendo as pressões para que o Governo não cumpra a sua palavra. Os patrões tentam manter os privilégios obtidos no ciclo anterior e não hesitam em pressionar para que tudo fique na mesma, depois das ofertas de Passos Coelho – a crítica à rigidez dos “direitos adquiridos” só vale quando se trata de rebentar com os direitos de quem trabalha. No poder paralelo da concertação social, a negociação para obter contrapartidas pelo cumprimento do aumento do salário mínimo terá incluído a chantagem para que não houvesse alterações à legislação laboral. Ou seja, um compromisso político e com apoio social (alterar a legislação laboral nas matérias em que foi brutalmente desequilibrada nos últimos anos) deveria, nesta demonstração de poder, ser sacrificado apenas para obter um acordo para cumprir um outro compromisso programático do Governo (o aumento do salário mínimo). O Ministro Vieira da Silva vem agora garantir que não prometeu nada aos patrões, espera-se que concretize rapidamente estas afirmações.

A OCDE veio também em socorro dos privilegiados e, no relatório apresentado recentemente, com direito a apresentação animada pelo secretário-geral Ángel Gurría, veio avisar que é preciso ter cuidado com as despesas com pessoal (ou seja, continuar a sufocar os trabalhadores em funções públicas e manter a precariedade) e ameaçar que não se pode tocar na legislação laboral, que é preciso “estabilidade” – curiosamente, um critério ignorado quando a legislação foi arrasada por Passos Coelho e Mota Soares. O ministro Mário Centeno optou pelo sorriso amarelo e garantiu que vai correr tudo bem. Veremos o que isso significa.

Quanto ao combate à precariedade, se é verdade que o discurso mudou, até ao momento apenas se sucederam promessas e adiamentos. Nenhuma medida do prometido plano de combate à precariedade foi implementada ou sequer verdadeiramente agendada, apesar de estarem enunciadas várias questões importantes e que correspondem a exigências antigas: o reforço da legislação para regularizar situações ilegais e transformar a precariedade em contrato de trabalho; regularizar a situação de milhares de precários no Estado, que garantem todos os dias os serviços públicos, num processo que está agora a começar e em que ninguém pode ficar para trás; contrariar o poder absoluto das empresas de trabalho temporário, impondo, pelo menos, um limite às renovações destes contratos; e, embora não directamente ligado com o combate à precariedade, a implementação de um novo regime de contribuições para quem trabalha a recibos verdes – que tarda e faz desesperar centenas de milhares de pessoas, a maioria das quais precárias. São medidas básicas, apenas um primeiro passo no longo caminho que é necessário fazer para combater a precariedade. O Governo será avaliado por isso, nós não desistiremos de exigir que avancem estes patamares mínimos que foram prometidos.

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