Helena André confrontada por membro do PI no jornal Público de hoje

Tiago Gillot, membro dos Precários Inflexíveis, confronta, na edição de hoje do jornal Público, a ministra do Trabalho e da Solidariedade Social, Helena André. A partir do seu caso pessoal, denuncia os efeitos e injustiças das medidas de austeridade, exigindo responsabilidades. Deixamos aqui o texto na íntegra. Clica na imagem, para a ampliar e ler directamente.
Senhora Ministra, importa-se?
Estou desempregado, senhora Ministra Helena André. Estou, bem sei, infelizmente, longe de estar numa situação singular. Com mais ou menos pozinhos de manipulação estatística, a verdade é que devemos ser perto de 700 mil no país. Muita gente, muito desespero que por aí anda.
Sou precário. Nunca conheci outra condição. Também sei que apenas engrosso humildemente uma longa fileira com cerca de 2 milhões de pessoas, mais de um terço de toda a força de trabalho em Portugal. O meu último empregador foi uma empresa de trabalho temporário – uma das várias que “oferece” trabalho que a senhora Ministra disse há pouco tempo “não saber” se é precário. Posso assegurar-lhe que é, sem dúvida nenhuma.
Trabalhei um ano, desta vez. 365 dias. Tive o azar de não escapar aos tempos da austeridade para os mais fracos. Ao que parece, quando o meu contrato acabou, já estavam em vigor as novas regras, que excluem milhares de pessoas do direito ao Subsídio de Desemprego. No meio das confusões, de tantos anúncios e disposições legais para reprimir as vítimas da situação, nem os serviços da Segurança Social ainda conseguiram dar-me uma resposta definitiva. Mas parece que é assim: vou mesmo ter que aguentar apenas com o Subsídio Social de Desemprego, cerca de 300 euros, até encontrar o próximo trabalho precário.

Uma coisa é certa: já fui notificado, enquanto beneficiário do Subsídio Social de Desemprego, para prestar a famosa “prova de recursos”. Ou seja, vão ser avaliados os rendimentos e património do “agregado familiar”. Se aí se descobrir o que alguém considerou suficiente para viver, então, ao que parece, perco o direito à prestação social. Chega a arrepiar: embarcando a onda populista, o seu Governo deu instruções à Segurança Social para enviar cartas a mais de 2 milhões de beneficiários de várias prestações, num inédito cenário de perseguição a quem passa dificuldades.
Espero o pior, infelizmente. Se calhar vou ter mesmo que aguentar sem nada. É que o meu “agregado”, como o de tanta gente, inclui os meus pais. A maioria das pessoas que conheço vivem assim: em casa dos pais; ou em casas dividas com semelhantes, em que o dinheiro só chega pagando rendas por debaixo da mesa. Ou seja, oficialmente, vivemos sempre com os pais – e, por enquanto, muitos deles ainda têm rendimentos suficentes para, com estas regras, retirar de forma involuntária as prestações sociais a que os filhos deveriam ter direito. Mas, afinal de contas, isto pode ser assim? Pode viver-se assim? É aceitável que, depois de ter trabalhado, apenas nos reste a dependência? E se os pais deste país não estiverem para isso? E quando os pais deste país já não conseguirem?
O seu colega Pedro Marques, Secretário de Estado da Segurança Social, teve o atrevimento de dizer que se tratava de uma medida de rigor, aplicada a beneficiários de prestações sociais não contributivas. O problema é que, além do seu rigor selectivo que persegue os que mais precisam, Pedro Marques mentiu. Os beneficiários do Subsídio Social de Desemprego contribuíram, sim senhor. Só não descontaram mais tempo, porque a precariedade não os deixou. Já agora: se os contratos, quando existem, são cada vez mais curtos, como se explica que aumente o número de dias para ter acesso aos apoios sociais que acodem no desemprego?
Isto está tudo ao contrário, senhora Ministra. Estão a ser poupados os que deixaram tudo de pantanas e nós andamos desgraçadamente a pagar, sem ter culpa nenhuma. Em vez de encenações cínicas sobre o Estado Social ou obcessões abstractas com défices e dívidas, seria bom que os verdadeiros problemas passassem pela agenda política. E isto é só pedir o mais elementar a quem tem responsabilidades. Por isso responda, se faz favor, por milhões de pessoas concretas que sofrem diariamente com o desemprego e a precariedade. Importa-se?
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