Henrique Raposo: truques e realidade dos recibos verdes
Henrique Raposo já nos habituou às suas crónicas determinadas, sempre disposto a transmitir-nos no jornal Expresso as verdades do liberalismo que, vejam bem, a maioria das pessoas ainda não percebeu. Hoje explica-nos que os trabalhadores precários – o autor julga-nos jovens e acrescenta umas esclarecedoras aspas – devem estar felizes e esperar o melhor, porque o novo Governo, em conjunto com troika, vai olhar por nós. O motivo é a prometida atribuição de subsídio de desemprego aos trabalhadores a recibos verdes.
Na incontida felicidade de Henrique Raposo há bem mais do que sossego por acreditar que quem trabalha a recibos verdes poderá vir a ter apoio quando fica sem emprego (aliás: trabalho). Para o zeloso cronista, o que realmente importa é divulgar a conhecida narrativa que justifica as dificuldades dos precários com o que chama de “direitos adquiridos”. Tentemos perceber: só existe precariedade porque existem direitos; num país sem direitos não existirá precariedade. Tão básico quanto perigoso e intencional.
Neste universo faz-de-conta até nos põe a assistir, entusiasmados, à tranferência (“de cima para baixo”) de 400 euros de cada reforma de “3 ou 4 mil euros” para cada trabalhador a falso recibo verde no desemprego. Colocados neste país imaginário criado pelo cronista, habitado por batalhões de reformados cheios de direitos e chorudas pensões, quase damos por nós felizes assistindo à actuação do Governo-justiceiro.
Mas olhemos para a medida louvada por Henrique Raposo. É claro que quem fica sem trabalho depois de anos de descontos deve ter acesso a apoio. Quem carrega os falsos recibos verdes na sua vida, muitas vezes há décadas, sabe bem o que é viver num difícil equilíbrio e sem rede. Mas o reconhecimento do direito ao subsídio não pode substituir nem destruir outros direitos básicos – aceitar esta chantagem é prescindir até do simples cumprimento da lei. O apoio a quem chega ao desemprego depois dos falsos recibos verdes não é uma espantosa medida de cariz social: é o reconhecimento tardio e muito insuficiente duma relação laboral que devia ter sido mediada por um contrato de trabalho. A estas centenas de milhares de pessoas são ainda devidas décadas de subsídios de férias, de subsídios de natal, de contribuições para a Segurança Social, de apoios na doença, de seguros de trabalho, de horários e ritmos de trabalho regulados e justos, de tudo o que identificamos como regras básicas no trabalho. Fica claro que apenas o contrato de trabalho garante os direitos mínimos a quem trabalha por conta de outrem.
Henrique Raposo preferiu não falar em nada disto. E preferiu também esquecer que muitos milhares de trabalhadores a falsos recibos verdes durante anos, a quem foi negado o devido contrato de trabalho, estão hoje a ser perseguidos pela Segurança Social. Os seus patrões, que ilegalmente não cumpriram nenhuma das suas responsabilidades, assistem tranquilamente à notificação (e frequentemente à penhora de bens) de milhares de pessoas que não conseguem pagar as suas contribuições. A estas, já agora, de nada valerá a promessa de subsídio de desemprego, porque os devedores não têm direitos (outra vez). De facto, os trabalhadores estão a ser “lixados pela Segurança Social”, mas porque esta não está a cumprir as suas funções, ou seja pelas razões que não estão no texto.
Este discurso, além dos postulados ideológicos, é produzido para chegar a decisões “inevitáveis”: é preciso reduzir a Taxa Social Única para os patrões (ou seja, descapitalizar a Segurança Social), porque senão eles não contratam; é preciso um “contrato único”, uma designação soft para acabar com os direitos associados ao contrato de trabalho; no fundo, os precários, vítimas primeiras da desregulação acelerada nas relações laborais, são a âncora para a precarização generalizada. O truque é velho, mas é preciso combatê-lo.
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Já há grupos de malta que não gosta dele