II. O que quer o Governo? | Banalizar o trabalho temporário

O Governo anuncia, no seu programa, a vontade de incentivar o trabalho temporário e o negócio das empresas que dele beneficiam. Sem desenvolver qualquer justificação, fica clara a intenção de alargar as possibilidades legais para esta forma de precariedade laboral, revelando um conhecimento informado das vantagens e ambições das empresas de trabalho temporário e das grandes empresas que se servem descaradamente deste expediente para descartar trabalhadores.

A proposta é banalizar o trabalho temporário, prevendo “prescindir da justificação” que actualmente está prevista para a celebração deste tipo de contratos. O sinal dado a este mundo de sobre-exploração, que já hoje actua sem qualquer regulação, é o alargamento do universo legal, ou seja, a “admissibilidade do recurso a trabalho temporário sempre que houver uma verdadeira necessidade transitória de trabalho” (pág. 33). Fica por explicar porque não devem ser exigidas condições específicas para que exista uma intermediação por empresas de trabalho temporário (ETT), cuja única função é celebrar o contrato, mas cuja remuneração é em regra metade do salário do trabalhador.

Esta decisão, a concretizar-se, servirá não só como incentivo às ETT, mas resultará ainda numa legalização de todas as irregularidades que vêm sendo cometidas há anos, afectando os direitos de centenas de milhar de trabalhadores. E sabemos que a maioria dos contratos de trabalho temporário actualmente celebrados não respeitam a lei, já de si injusta para o trabalhador: não são invocados claramente os motivos para o contrato temporário, não são respeitados os limites nem assegurados os vínculos com as empresas onde o trabalhador verdadeiramente presta as suas funções.
Mas o Governo sabe também que esta é uma oferta generosa às empresas que se servem abusivamente do trabalho temporário, em muitos casos as maiores empresas do país. Há anos a recorrer de forma ilegal ao trabalho temporário, recusando o devido vínculo directo com milhares de trabalhadores que asseguram funções permanentes e ininterruptas, esta alteração permitirá legalizar a sua prática de desrespeito continuado pelos direitos. A fraude fiscal e insolvência recente de várias ETT, quase exclusivamente montadas para servir de intermediários oportunistas dos grandes grupos económicos portugueses, demonstra bem esta realidade.
Existem hoje cerca de 400 mil trabalhadores temporários no país. A esmagadora maioria corresponde a falso trabalho temporário, ou seja, deveria ter acesso a vínculos com as empresas para quem verdadeiramente trabalham. Pelo meio fica metade do salário de cada mês (que constitui o lucro ilegítimo das ETT) e muitos direitos perdidos. Por isso, afirmamos que a solução não passa por legalizar a precariedade, neste caso as práticas ilegais e injustas no mundo do trabalho temporário. Recordamos que neste momento lutamos na rua, contactando todos os dias milhares de pessoas por uma solução concreta: a “Lei Contra a Precariedade” prova que a precariedade não é inevitável, também no que diz respeito ao trabalho temporário.
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