Investigação em Portugal vs Inglaterra

 

Sílvia e Inês têm exatamente a mesma idade, trabalham as duas em investigação científica aplicada em áreas diferentes de biologia e a (grande) diferença está no local onde escolheram prosseguir as suas carreiras. A Silvia está nos Açores; a Inês está em Cambridge.

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* Qual a tua situação profissional no laboratório onde estás?

Silvia: Sou bolseira de doutoramento pela FCT com contrato renovável anualmente, por um período de 4 anos.

Inês: Sou bolseira de pós-doc com uma bolsa europeia (FEBS) de um ano, renovável por mais dois anos. Se fosse um projecto com financiamento inglês ou uma bolsa europeia que seguisse as directrizes da Carta Europeia do Investigador (como Marie Curie ou EMBO) teria acesso a um contrato trabalho, como têm todos os meus colegas do meu grupo.

 

* O que mudou no teu laboratório desde que começaste o teu projeto?

Sílvia: Quando comecei o meu projecto de investigação, há 2 anos, o grupo não era muito grande: entre alunos de mestrado e bolseiros éramos quatro no laboratório. Hoje…estou sozinha no laboratório. Os projetos submetidos à FCT nos últimos anos não foram aprovados para financiamento, não há projetos logo não há bolseiros, e não havendo dinheiro para reagentes, não podem ser aceites novos alunos para fazerem as suas teses. A minha orientadora principal também já não está no laboratório – o seu contrato como investigadora auxiliar pago pela FCT terminou e ela, embora me dê o seu apoio à distância, não pode ir à universidade sob pena de perder o direito ao subsídio de desemprego.

Inês: Desde que comecei o meu projecto, há um ano e meio, saíram do laboratório 3 pessoas, para continuar a sua carreira científica noutros países e entraram outras 4. O laboratório é bem financiado, nomeadamente por uma das fundações estatais do Reino Unido (semelhante à FCT), mas também por diversas entidades não governamentais. O meu chefe tem um contrato com o instituto e tem a sua posição garantida, desde que cumpra os objectivos do seu contrato.

 

 

* Se precisas de um químico/substância para o teu trabalho com o qual não estavas a contar, o que fazes para o conseguir?

Sílvia: Imediatamente dou voltas à cabeça para arranjar alternativas sem ter de adquirir nada de novo pois não há mais projetos com dinheiro associados ao meu projeto. Uma das hipóteses possíveis é ir falar com o chefe de laboratório a ver se há alguma coisa pelo menos semelhante ao que preciso em armazém. Às vezes consigo até o químico que preciso e o prazo de validade não passou assim há tanto tempo…

É sempre um risco continuar o trabalho com algo que sabemos à partida não ser perfeito mas…entre isso ou parar um trabalho de 2 anos, são muitas as vezes que acabo por arriscar…

Inês: Vou ver se temos no laboratório, se não tivermos, encomendo e estará no laboratório em poucos dias.

 

* Quando a tua bolsa/contrato terminar, qual a probabilidade de conseguires continuar a fazer investigação no teu laboratório?

Sílvia: Diria, muito próxima de zero. Neste momento não vejo alternativa nenhuma para que isso possa acontecer.

Inês: Neste momento vou pedir uma extensão da minha bolsa para o terceiro ano, mas uma vez que esta extensão é muito difícil de obter, o meu chefe está disposto e tem a possibilidade de me pagar um ordenado, para eu poder acabar o meu projecto. Se assim for, passo a ter um contrato de trabalho com o Instituto.

Este é o resultado do desinvestimento na ciência em Portugal. Sem dinheiro e sem recursos, sem respeito nem estabilidade para quem investiga.

Uma ciência feita demasiadas vezes a meio-gás, sem dar ao país aquilo que o país precisa e espera, não por falta de gente competente, mas por opções políticas erradas, que esquecem investimentos anteriores na qualidade e capacidade de sermos uma referência mundial.

Um país parado e à espera que a austeridade passe.

Apesar de poderem ser apontadas críticas ao sistema inglês, este está a anos-luz do que se passa em Portugal. A estratégia para a ciência em Portugal tem de passar por dar condições de trabalho a quem a faz e por um financiamento robusto dos laboratórios, como já acontece em países com a Inglaterra.

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