Isto é o nosso futuro se não o impedirmos
Aquilo que o poder económico nos tem reservado… A história que se segue vem do Japão e passou-se na Segunda Guerra Mundial. É baseado num poema em prosa semi-ficcional escrito por Yamashiro Tomoe. A versão que se segue é uma tradução adaptada de David S. Landes. O nome to Poema é Fuki no tô (Brotos de Ruibarbo-do-Brejo).
“Temos uma história pessoal dum trabalhador japonês. Uma órfã que se casou com um camponês que queria evitar o serviço militar e para tal precisava de uma mulher. Para tal a órfã trouxe para o casamento nada mais que a isenção do serviço militar, a força braçal para buscar água a um poço de 25 metros de profundidade, uma destreza excepcional para o trabalho braçal e a humildade e paciência de uma santa perante uma sogra do inferno. O sogro dela não vivia para outra coisa a não ser o trabalho: “Não tenho desejo de ver nada. Não tenho passatempos. Fazer o solo produzir mais e melhores plantações é o único prazer que tenho na vida.” A sogra dela logo no primeiro dia disse-lhe que ela agora que lá estava tinha de ganhar o seu sustento. “Não tenciono esfolar-me a trabalhar enquanto tu a mulher jovem, vives dos nossos rendimentos. Agora que te juntaste à nossa família, quero que trabalhes arduamente e poupes juntamente comigo.” Então puseram-na a trabalhar no tear, fazendo tecidos para os mercadores. Ela e as suas três cunhadas começavam a trabalhar desde manhã bem cedo, antes de amanhecer até à meia noite, todos os dias da semana, quer fizesse frio ou calor. Nada de Sábados, nem dias de descanso. Nem sequer tempo para as limpezas : “Isto não é um templo ou uma clínica”. Dizia-lhe a sogra “se tens tempo para as limpar a casa então vai lá para fora e vai trabalhar”. E então trabalharam. Três rolos de tecido por dia. Nenhum Inglês poderia chegar perto desses resultados. Às vezes quando faziam trabalhos para outros camponeses aproveitavam para esticar um pouco a remessa a fim de ficarem um pouco para eles próprios – sem dúvida que todos faziam isso. No entanto quando as tecelãs da sogra faziam esses “desperdícios” ela certificava-se que tais sobras acabavam nas mãos dos mercadores. Os vizinhos chamavam às tecelãs os porta-moedas da aldeia. Até a sogra admitia isto, no entanto ela encontrava sempre motivo para se queixar. Quando a sua nora deu à luz, ninguém a confortou. Nada de três dias na cama . Nada como um “pickle” para lhe dar força E ninguém nunca lhe deu os parabéns pelo parto, é para isto que as mães servem. Então a jovem mãe apenas tinha apenas uma refeição por dia, e quando amamentava o seu bebé, a sogra murmurava e queixava-se acerca do tempo perdido: “Eu de certeza que detesto ver uma jovem mãe a perder o tempo dela a amamentar o seu filho. Ela podia trabalhar no tear e fazer mais algum dinheiro. Quanto melhor e mais duro trabalhava, mais arduamente a pressionavam e mais a molestavam pelo tempo perdido. Naturalmente o seu valor marginal estava a subir. “A nossa jovem mãe está muito tempo na latrina” ou “Ela é tão estúpida, está a lavar-se de novo”. Ela de certeza que tinha um melhor uso para o seu tempo livre. Que interessa se ela não se pode lavar ou lavar as suas roupas? Os japoneses são famosos pelo seu asseio e limpeza, mas a ganância traz coisas como o dinheiro e este torna-nos mais divinos. E de que interessava se a sua roupa interior está imunda? O seu marido estava fora, servindo como guarda fronteiriço no Norte da Coreia para ganhar uma daquelas pensões míseras que eram o sonho de qualquer família de camponeses pobres. Nada de ser fastidioso. (No entanto ele nunca lhe disse quanto tempo iria demorar a sua comissão, nem que levaria 24 anos).
Então a família poupou muitos sen, os comerciantes/fabricantes fizeram os seus ienes e a indústria têxtil Japonesa floresceu. O dia chegou em que a família teve de pôr dinheiro suficiente de parte para reconstruir a casa, e desta vez com um telhado em telha. Afinal de contas o que interessa mais do que a casa? “Neste mundo o que importa mais é a casa. A casa estabelece o valor de uma família na sociedade. Fixa o valor de uma pessoa.” Quando chamas o médico ele olha para a tua casa e mede-te o pulso. Quando contractas um padre para fazer o funeral, ele olha para a casa e estabelece com a respectiva conveniência o lugar do morto no outro mundo. A sua família adoptiva não falava de outra coisa. Eles tinham sido sempre olhados de cima, as pessoas nem sequer tinham esse respeito. Agora eles tinham dado a essa gente uma lição. E a nossa órfã, tecia sem parar, agora sozinha, porque as suas cunhadas agora tinha-se casado, e ela ficava cada vez mais magra e mais magra porque tinha que trabalhar por quatro. E tempo para comer é um luxo. E o seu filho cresceu o que era uma doce consolação, o seu marido ausente, na Coreia, com o seu uniforme preto e galões dourados já a tinha esquecido.
Depois o filho dela foi para a escola, e a mãe nunca tirou tempo para o ver nos desportos escolares ou nas peças de teatro, porque tal a afastava do tear; e quando os professores vinham a sua casa, a sua sogra dizia-lhe que se fosse sentar longe no fundo do quarto porque seria uma desgraça para o filho dela se ela sequer dirigisse a palavra ao professor. E quando o seu filho graduou-se e cantou com as outras crianças “Nada se equipara à felicidade que sentimos!”, esta foi a primeira e a única vez que a mãe foi à escola, em plena Primavera, onde viu o pátio todo florido de pessegueiros em flor. Daí em diante a mãe começava a chorar e a soluçar sempre que via um pessegueiro em flor e se lembrava do dia de graduação das crianças.
Então a mãe tecia, o mercador comprava a sogra poupava e a indústria têxtil prosperava; e o filho foi estudar mais porque era o que o seu pai o capitão de polícia, na Coreia queria. E a mãe viu-o partir, trepou o portão, e depois de ver o comboio desaparecer de vista, encostou a cabeça aos carris para sentir a trepidação que diminuía. E o seu marido não regressava. Ele não teria o privilégio de construir a sua nova casa. Mas foram adiante e construíram-na de qualquer modo, e os familiares trouxeram presentes e a sogra sorria e acarinhava aqueles que lhe davam tantos presentes. E mesmo os outros filhos devolvendo a generosidade, mal receberam uma palavra. O cunhado da avó (mãe da sogra) um rico comerciante de bois, trouxe-lhe muitas coisas, e na sua presença escarneceu-a dizendo: “Velha ainda não morreste?” Nunca fizeste muito – disse-lhe, foi a tua neta quem fez dinheiro, comprou arroz e pagou pela casa. A velha riu-se e acenou. O comerciante de bois disse: “Ainda bem que ela é surda!”. Depois a velha ainda falou com a sua neta tecelã, aliás não tinha mais ninguém com quem falar, reproduzindo toda a sua conversa com o comerciante. “Ouviste o que ele me disse? Isso fez-me sentir mal.”. E a órfã consolou-a: Avó, não deixe que isso a perturbe. Ninguém trabalhou tão arduamente como você. Eu só fui capaz de continuar a tecer sem sair do tear porque você punha os fios no tear para mim. O dinheiro da fiação foi gasto na construção da casa. Sabe disto. Não se sinta mal acerca disso.” Então a avó tomou as mãos da sua neta nas suas e chorou. E a velha mulher disse “O que me dizes faz-me sentir melhor”. Pouco depois, a anciã morreu. Parecia uma árvore seca e mirrada.
E o seu marido, Uichi, voltou, com os seus galões dourados, e óculos dourados e bigode voltado para cima. E construiu um anexo ligado à casa. E depois ainda ficou a viver mais tempo na cidade do que em casa, com uma mulher, diziam os rumores, e passava cada vez mais tempo for a de casa. E os rumores confirmaram-se . A mulher de Uichi tinha medo de pergunta
r, pois ele zangava-se facilmente, mas numa comunidade aldeã como a da altura tais coisas não podiam manter-se segredo por muito tempo. Nem Uichi fez questão em tentar esconder coisa alguma. Ele conheceu a mulher na Coreia. Ela era Japonesa e tinha ido trabalhar para a Coreia como “anfitriã”. Lá um proeminente oficial governamental (Uichi) tomou-a como amante, ela tornou-se rica e tornou a sua família rica através dos ganhos do seu marido. Agora era a mulher amiga de Uichi, como nenhuma outra na aldeia, tinha quimonos de seda (uma para cada dia) e na sua cama lençóis de seda. Uichi não tinha paciência para a sua mulher e espancava-a, e os seus pais nada faziam para a o impedir; o seu pai até tirava prazer da brutalidade do seu filho: “Ao menos que uma pessoa tenha aquela força de vontade, ele não pode avançar no mundo” e a sua mãe concordava “Foi assim que ele assustou os coreanos. Não admira que eles tivessem medo dele. Ele pode mesmo ser bruto.”
E um dia Uichi trouxe a sua mulher para casa, com os seus vestidos bonitos e arcas carregadas de sedas caras. A sua mãe sabia dos seus planos e disse à nora para limpar o novo anexo, mas assim que começou a limpar os tapetes, Uichi depressa se apressou na sua direcção e chutou-a para fora de casa: “Sua animal como te atreves a pisar os tapetes com os teus pés gretados do gelo!” e quando a mulher desnorteada começou a disparar gritos chamando pelo seu filho “Mii, Mii em que campo de Batalhe estás…?” (ausente na China servindo o exército), a sua sogra enxotou-a “Vai-te embora mulher maluca. Não temos mais uso para ti”. Sem uso porque não precisavam mais do rendimento do tear caseiro.
E as mulheres do bairro percebiam: “Ele ganhou os seus galões dourados por ter feito coisas brutais ao Coreanos. De facto fez coisas medonhas para ficar rico.” Nada de bom poderia advir daí, disseram. Mas quando viram a mulher de Uichi a gemer e a chorar em desespero nada fizeram, não lhe ofereceram compaixão nem qualquer empatia. Mais para a tarde, a amante de Uichi e a empregada chegaram da cidade num riquexó. Ela estava a usar meias de seda branca pura, outro produto dos teares japoneses. Tudo o que a mulher de Uichi se conseguia lembrar era da porta fechada do anexo e das gargalhadas vindas de lá.
E então pegou fogo à casa – e as casas japonesas ardem forte e bem. Nenhuma das arcas e dos vestidos de seda pôde ser salvo. E quanto papel-moeda não terá perecido no incêndio? Depois a mulher de Uichi escondeu-se no fundo do poço fundo para desaparecer do mundo, mas encontraram-na e acordaram-na. Ela foi julgada por fogo-posto, o que se tornou mais grave por consistir uma violação do “blackout” obrigatório preparado por causa de bombardeiros chineses inexistentes. Foi condenada a dez anos, reduzidos para oito após se considerarem circunstâncias atenuantes.
Ninguém a foi ver à prisão. Lá ficou encolhida contra o frio e o vento confortando-se com canções acerca de brotos de ruibarbo-do-brejo no meio da neve. Os mesmos brotos que ela tinha colhido quando era criança para a sua mãe doente. Lembrava-se do quanto a mãe tinha apreciado a ajuda. O filho dela Mii apenas escreveu-lhe uma vez: uma família que brutaliza as suas mulheres não cria homens de virtude e gratidão. Foi uma colega de prisão, Yamashiro Tomoe, que ouviu a sua história e preservou-a. A mãe e esposa órfã tinha então cinquenta anos de idade.”
Comentário pessoal: Obrigado pela vossa atenção. Comprem muitos produtos temperados a sangue, suor e lágrimas, ajudem os vossos patrões nos seus “divertidos projectos de equipa”, dêem-lhes a vossa vida em prol de carros, casas e luxos e sobretudo não se esqueçam tenham muitos filhinhos “because the show must go on.!!!”.
Adaptação livre do site:
http://www.indiana.edu/~globalm/ifschapter0.pdf