Juízes fazem depender Constituição da conjuntura económica e Passos promete cortes para o privado

Os juízes do Tribunal Constitucional aprovaram ontem um parecer que declara a inconstitucionalidade dos cortes do 13º e do 14º mês aos funcionários públicos. Segundo o acórdão, esse corte viola normas de igualdade de tratamento entre os cidadãos. No entanto, o coletivo de juízes, assumiu uma posição de 2º governo de Portugal, afirmando que em 2012 a constituição não é para cumprir porque os compromissos que os governos assinaram com as instituições financeiras têm de ser cumpridos. Encostados a uma escolha sobre o ano de 2012 em Portugal, Constituição da República ou FMI/BCE/UE, os juízes escolheram os agiotas. Não lhe chamaram “ajuda financeira”: já é um avanço. Pedro Passos Coelho, por seu lado, avançou prontamente com a solução da austeridade para o país: menos salário para todos os trabalhadores, incluindo agora também os do sector privado.

A decisão do Tribunal Constitucional é paradoxal, uma vez que reconhece a inconstitucionalidade da medida para 2013, mas não para 2012, o que significa o Tribunal declarou que ‘de facto’ em 2012 não é necessário cumprir a Constituição. A justificação com o memorando da troika significa também ‘de facto’ que esse documento inclui, implicitamente, que as leis soberanas do país, das quais a Constituição da República é a lei máxima, foram ultrapassadas por uma intervenção externa. 
Este é mais um caso que sublinha a mudança de regime que vivemos. Hoje, os compromissos assumidos e assinados por irresponsabilidade política de um pequeno grupo de pessoas ultrapassam a força da Democracia e da Constituição. A gestão danosa do dinheiro do Estado, das estruturas públicas e privadas, é premiada com a impunidade. Muitas vezes são mesmo membros ou ex-membros dos governos que tomam partido da inexistência de justiça. Dos submarinos ou BPN, às PPP ruinosas, a indignação ainda não conseguiu ganhar o espaço necessário na relação de forças política e pública. 
Os funcionários públicos têm sido um alvo preferencial na fúria de ataque aos serviços públicos. Não há serviços públicos como hospitais, centros de saúde, escolas, finanças, creches ou lares, sem o trabalho e a dedicação dos funcionários públicos. Por isso, foram atacados pelos sucessivos governos. Os seus salários foram atacados, os seus direitos diminuídos, os seus postos de trabalho transformados rapidamente e massivamente em postos de trabalho precários.
Mas o que PSD, CDS e PS conseguiram, não foi, ao contrário do proclamado, corrigir “injustiças” nas pretensas “regalias” de um sector que, apesar de mal remunerado sempre foi propagandeado como um sector de “privilegiados”. O que conseguiram foi atacar quem faz funcionar os serviços públicos que temos e baixar as condições de vida a todos os trabalhadores, sem exceção, retirando salário direto, mas também salário indireto fornecido através da prestação de serviços públicos essenciais para quem trabalha.
Agora, o sector privado está na mira do ataque ao salário e aos direitos. Mas não nos deixemos enganar: a austeridade não é mais justa quando se aplica a mais gente. A natureza da austeridade e a sua base é a injustiça e a desigualdade. O PI está do lado de todos os trabalhadores, precários ou não, desempregados ou não, do sector público ou privado. Aquilo que está em causa é o acesso à dignidade num país de baixíssimos salários onde o 13º o 14º mês sempre serviram para tapar buracos nos orçamentos familiares ou pessoais de quem nunca foi bem remunerado. O corte de parte importante do salário é um atropelo à dignidade num país onde corruptos se passeiam no governo e saltitam daí para os grupos económicos. 
Há algum tempo falava-se em suspender a Democracia. Hoje o processo está já mais avançado: foram os próprios juízes do Tribunal Constitucional que suspenderam a constituição durante 2012. Veremos o que mais será suspenso… só depende de nós. Todos. Todas.

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