Mais precariedade, menos saúde…!

http://www.ahospitalar.com.br/imagens/produtos/1026/esteto_littmann_classicII.jpg

Há 8 anos atrás, quando iniciei o meu curso de Medicina, juntamente com mais 90 colegas, todos tínhamos a certeza que as carreiras públicas no SNS estavam garantidas para toda a vida. Estávamos irredutíveis na convicção inabalável de que a progressão na função pública era fácil e que a formação contínua ao longo da vida seria feita nos hospitais do Estado. Sabíamos ainda, com o descanso de quem adivinha o futuro, que isso dos contratos a prazo era só para “os do privado”.

Sou médico há 2 anos! E recordo tantas certezas e tanta esperança com o sorriso irónico de quem descobriu que “o mundo pula e avança”. Mas o mundo não pulou, nem avançou “como bola colorida nas mãos de uma criança”! Ao contrário, pulou e avançou como farrapo de papel nas mãos de vários governantes incompetentes. Hoje, sei que o meu futuro passará pela reformulação das carreiras da função pública que o Governo de Sócrates imporá já este ano e pela difusão dos contratos individuais de trabalho nos serviços de saúde.

O 1º ministro ao anunciar a semana passada, que pelas mãos do seu governo defenderá a gestão pública em todos os hospitais do país, brindou-nos com uma ilusão – é uma ilusão pensar que os E.P.E. e a sua gestão pública resolvem a dificuldade actual no acesso às carreiras médicas. Ao submeterem os seus trabalhadores ao direito privado do trabalho, estas unidades de saúde continuam a poder contratar médicos a prazo, negando-lhes, desta forma, o acesso à carreira. E é esta a realidade no terreno: os quadro de nomeação definitiva estão encerrados e os novos especialistas a saírem dos internatos enfrentam duas escolhas (que não são suas…): ou a não renovação do contrato ou o contrato individual de trabalho.

As consequências desta “não-escolha” para os próprios médicos são, por si, inaceitáveis. Mas os efeitos indirectos acumulam-se e prejudicam não só os próprios profissionais, mas também os utentes do SNS. Um médico sem acesso à carreira médica é alguém que tem limitadas as suas perspectivas de evolução e formação profissional, de aquisição de novas responsabilidades e, em consequência, de capacidade técnica para beneficiar os doentes que trata. A desestruturação das carreiras médicas prejudicam-nos a todos, médicos e quem dos seus serviços mais carece: os utentes.

Nos últimos anos surgiram as empresas de trabalho temporário para médicos. Muitos são os clínicos que hoje fazem serviços de urgência pagos à hora, sem estarem integrados em nenhum serviço hospitalar. E muitos são os hospitais que estão a pagar 8 a 10 vezes mais a estas empresas do que pagariam se integrassem estes profissionais no seu quadro definitivo.

Em Portugal, mais de 50% dos médicos actualmente existentes estão a menos de 10 anos da reforma. E àqueles que agora se preparam para os substituir, o Governo nega as condições que necessita uma carreira médica para servir os interesses dos cidadãos: estabilidade e a aposta na progressão como garante de profissionalização contínua.

Assistimos cada vez mais ao ataque cerrado de que o SNS tem sido alvo, este é mais um passo: precarizar os médicos, para precarizar os cuidados prestados à população!Sócrates e os seus ministros, até podem saber que o sonho é uma constante da vida mas certamente ainda não perceberam que o contrato individual é uma constante da precariedade.

Bruno Maia

(interno de Neurologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, Médicos pela Escolha)

Facebooktwitterredditlinkedintumblrmailby feather