Mário Contumélias fala na "loja dos 500"

Mário Contumélias, jornalista e escritor, tem utilizado o espaço de opinião no Jornal de Notícias para lançar vários alertas importantes. Muitas vezes fala da precariedade e das injustiças que afectam cada vez mais trabalhadores e trabalhadoras. Na passada sexta-feira, a propósito do estudo britânico sobre a “geração perdida” que tem feito correr tinta também por cá, a sua crónica fala da enorme “loja dos 500” em que se está a transformar o país. Transcrevemos aqui na íntegra o texto.

«A ‘loja dos 500’
2010-01-15

Um recente estudo da “Prince’s Trust”, organização não-governamental fundada, em 1976, pelo príncipe de Gales, vem mostrar que o desemprego dos jovens custa ao Reino Unido mais de 100 milhões de euros (90 milhões de libras) por semana.

Associado a este fenómeno de exclusão social surge o crime juvenil que, para além dos custos sociais não mensuráveis, leva ao dispêndio de mais de mil milhões de libras anuais. Não conheço nenhuma investigação semelhante sobre a realidade portuguesa, mas o Eurostat esclarece que, em Portugal, em Novembro passado, o desemprego dos jovens até aos 25 anos atingia quase 19%. Por sua vez, o Instituto Nacional de Estatística situa os números do desemprego entre os jovens dos 15 aos 24 anos, no terceiro trimestre de 2009, nos 87 200 indivíduos, homens e mulheres, sendo os licenciados mais de 64 mil. Ou seja, no nosso país, a geração mais escolarizada da história tem maiores dificuldades para entrar no mercado de trabalho do que as gerações anteriores, com menos capital escolar. E quem entra fá-lo, muitas vezes, pela porta de precariedade, dos contratos a termo e dos recibos verdes. Não raramente, jovens formados na universidade portuguesa trabalham num call center ou na caixa de um supermercado, com frequência escondendo a sua formação para não serem considerados com excesso de currículo para um emprego que não exige qualificações de maior.

Os empresários compram estes jovens na “loja dos 500” euros e deixam milhares deles cá fora, à espera de vez para serem explorados. É uma vergonha nacional e uma vergonha europeia. E os arautos da economia e da iniciativa privada mascaram a realidade da profunda desigualdade da distribuição da riqueza existente, dizendo que tem de ser assim, a menos que se produza mais e melhor.

Enquanto isto, as grandes empresas acumulam resultados obscenos, com crise ou sem ela, e os seus gestores ganham dezenas de vezes o que pagam aos trabalhadores. É um capitalismo selvagem e suicida que delapida o futuro de todos e esgota a economia com a sua ganância. Os mais velhos, igualmente vítimas do desemprego e reféns de reformas miseráveis, não têm poder de compra. Os mais novos, desempregados ou subpagos, vão ficando em casa dos pais e vivem um dia de cada vez, sem poderem projectar-se no futuro. Neste quadro, não há como esperar por um Mundo melhor. Neste quadro, as convulsões sociais são uma inevitabilidade. Era bom que os poderes percebessem isto.»

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