Medidas aprovadas pelo Governo não protegem precários e são insuficientes para responder à urgência social

O Governo anunciou esta quinta-feira, após mais uma reunião do Conselho de Ministros, um novo conjunto de medidas e regras para apoio às famílias e empresas. Medidas que, acrescentadas aos apoios colocados em aplicação logo nos primeiros dias de resposta à crise do Covid-19, completam agora um quadro inicial da resposta que o Governo pretende dar à grave situação social que já se vive no país. Estas medidas não protegem os trabalhadores precários e deixam muitas necessidades sociais sem resposta. Os vários diplomas legais em que estas medidas estão previstas foram já entretanto publicados e estão em vigor.

O Decreto-Lei 10-G/2020, em que é definida “medida excepcional e temporária de protecção dos postos de trabalho”, é basicamente a concretização de uma das dimensões do pacote de apoio às empresas que está a ser aplicado, em que são regulamentadas várias medidas preparadas e anunciadas ao longo dos últimos dias: o novo “lay off simplificado”, o plano extraordinário de formação que pode ocupar até 50% do tempo de trabalho durante um mês e ainda um regime de isenção temporária de pagamento das contribuições à Segurança Social. Além da confirmação da forte pressão sobre a Segurança Social que estas medidas representam, as regras para assegurar a protecção do emprego definidas pelo Governo deixam de fora quem trabalha com vínculo precário. No artigo 13º do diploma, é definido como condição de acesso às medidas por parte das empresas simplesmente que “o empregador não pode fazer cessar contratos de trabalho de trabalhador abrangido por aquelas medidas”. Assim, ficam de fora todas as pessoas com vínculos precários, nas suas várias modalidades, que já estão a ser simplesmente despedidas em várias empresas – e muitas destas empresas irão certamente beneficiar dos apoios, cumprindo formalmente o critério definido para a “proibição do despedimento”. O Governo escolhe, assim, num momento de total urgência social, não garantir a segurança laboral dos precários.

O Decreto-Lei 10-F/2020 define regras excepcionais e temporárias relativas às obrigações fiscais e contributivas, bem como no acesso às prestações sociais. O Governo decidiu prorrogar todas as prestações de desemprego e as prestações sociais que garantam mínimos de subsistência cujo período de concessão ou prazo de renovação termine antes de 30 de junho de 2020. É uma medida muito importante e que era inevitável face à situação de urgência que vivemos. No entanto, o Governo optou por não rever os prazos de garantia para o apoio no desemprego, ou seja, o número mínimo de dias de contribuições para aceder ao subsídio de desemprego. Com a onda de despedimentos nos contratos a prazo e a denúncia de contratos de trabalho durante o período experimental, muitos deles sem ter decorrido os 360 dias que são necessários para ter acesso ao subsídio de desemprego, era essencial encurtar o prazo de garantia. Registamos ainda que ficou estabelecido neste diploma o já anunciado diferimento do pagamento de um terço do valor dos descontos para a Segurança Social para quem trabalha a recibos verdes; e, também para os recibos verdes, o diferimento do pagamento do IVA em três ou seis prestações, sem juros.

O Decreto-Lei 10-J/2020 estabelece uma importante moratória nas obrigações de pagamento dos créditos para aquisição de imóvel para habitação própria permanente, para quem foi afectado pela situação actual: para quem esteja em isolamento profiláctico e com doença associada ao coronavirus, a acompanhar a família, para quem esteja em situação de desemprego ou de lay off, para quem trabalha em empresas que encerraram. Estão também abrangidos os trabalhadores a recibos verdes que estejam a receber o “apoio extraordinário à redução da actividade económica de trabalhador independente” previsto nas primeiras medidas de apoio anunciadas. Este diploma prevê também o diferimento das obrigações perante os bancos para as empresas em dificuldades, bem como a facilitação das linhas de crédito e outros incentivos à tesouraria das empresas.

O Decreto-Lei 10-K/2020 alarga o regime excepcional de faltas justificadas que já estava em vigor, alargando ao período de férias da Páscoa e incluindo agora também as faltas ao trabalho para acompanhar cônjuge ou ascendentes (reflectindo já o forte impacto que a crise sanitária está a ter nos lares). No entanto, fica muito aquém da exigência que se tem sentido nos últimos dias, ao não estender o apoio para acompanhamento à família, necessário a quem tem de acudir aos pais e a quem tem, em período de férias escolares, de manter o acompanhamento aos filhos. Conforme anunciado pela ministra Mariana Vieira da Silva na conferência de imprensa após o Conselho de Ministros desta quinta-feira, o apoio apenas se mantém no período das férias da Páscoa para o acompanhamento a menores que estão inscritos em creches. No argumento da ministra, esta distinção justifica-se pelo facto das creches não terem interrupção prevista para as férias, ao contrário dos estabelecimentos de ensino – a necessidade de acompanhamento de menores que estão a frequentar as escolas, nas suas palavras, já teria sido planeado pelas famílias. Este argumento não é aceitável, quando sabemos que uma boa parte da rede de apoio familiar não pode acudir nesta situação de crise (os avós deixaram de poder estar com os netos, por exemplo), o mesmo acontecendo como a resposta de serviços e instituições. Esta decisão é injusta e terá um forte impacto social.

Em suma, este primeiro quadro mais completo da resposta do Governo à crise económica e social que resulta da pandemia é insuficiente e, sobretudo, deixa de fora a protecção do emprego para quem está numa situação de precariedade. Apesar de ter medidas relevantes, é inaceitável que estas medidas do Governo abandonem os precários e as precárias à sua sorte. Passaram apenas cerca de duas semanas de implementação das medidas mais fortes e com impactos na economia e já é hoje bem claro que os precários estão na linha da frente dos efeitos sociais desta crise: interrupção abrupta de contratos no período experimental, não renovação de contratos a prazo, interrupção de contratos de trabalho temporário, despedimentos ilícitos de trabalhadores a falsos recibos verdes, entre outras modalidades da crueldade patronal, estão a generalizar-se por todo o país e sectores de actividade. Precisamos de decisões corajosas, que travem rapidamente esta sangria. E precisamos de apoio para quem fica sem rendimentos, sem sacrificar o futuro da Segurança Social. São as grandes decisões do momento excepcional que vivemos, pelas quais nos vamos bater.

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