Merkel exige que governo grego abandone o programa com que foi eleito

A democracia que hoje vigora na União Europeia é um simulacro, quando um Estado soberano – a Alemanha – exige através do seu governo que os organismos europeus (compostos por todos os países) imponham ao recém-eleito governo grego que renegue o programa eleitoral com que foi eleito, continuando a aprofundar a austeridade, o desmantelamento do Estado Social, despedindo e precarizando ainda mais o trabalho na Grécia.

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Quando se aprofundam as discussões e se torna clara a perda de hegemonia alemã na Europa acerca da obrigatoriedade de se pagar as dívidas custe o que custar, há algo que não desaparece: desde o editorial do Economist ao do Financial Times, os grandes bastiões do liberalismo económico há a concordância em cortar na dívida, em fazer os abatimentos de dívida dependerem de haver crescimento, em perdoar parte da dívida, em retirar o nó da garganta da Grécia neste aspecto. Mas a certeza vai toda para o mesmo lugar: há que fazer mais “reformas estruturais”, despedir mais, privatizar mais, desmantelar o trabalho e precarizar. Esse é e sempre foi o centro da política da austeridade: com a desculpa da dívida, poder fazer recuar a História em séculos e garantir o fluxo permanente de riqueza dos pobres para os mais ricos, abolindo os mecanismos de redistribuição como a taxação da riqueza e do capital, os sistemas de Saúde, Educação, Segurança Social, Pensões e Transportes públicos que funcionam como salário indirecto. E ir, claro, ao salário directo, precarizar, despedir a gosto, impedir a organização dos trabalhadores, destruir a contratação colectiva, isto, é impedir representação e impedir que o poder e o dinheiro saia do monopólio dos mais ricos.

Hoje foi a vez do próprio governo alemão reforçar esta tese, abrir a possibilidade de renegociação da dívidas, dos montantes, dos juros, etc., sempre e desde que se mantenham as reformas anteriores e que as mesmas sejam aprofundadas. Num exclusivo, a Reuters divulgou o documento do governo alemão que exige “a perpetuação da agenda de reformas acordada (sem recuar em nenhum das medidas anteriores) cobrindo as áreas da administração da renda, taxação, gestão financeira pública, privatizações, administração pública, Saúde, pensões, estado social, educação e a luta contra a corrupção”. O que a Alemanha está a exigir é que o governo grego recue nas medidas implementadas nos seus primeiros dias no poder, que despeça mais 150 mil funcionários públicos, que mantenha o salário mínimo como estava, que baixe as pensões e mantenha a contratação colectiva bloqueada. Exige ainda que se continuem as privatizações dos portos e da energia.

Tudo isto com a contrapartida de renegociar a dívida. Temos um governo a exigir a outro governo que minta ao seu povo, aos eleitores que votaram nele, que destrua o seu programa. É um sinal da maneira como a Alemanha vê a Europa (como o seu quintal) e de como vê a democracia (como uma brincadeira em que se pode rebentar a bolha a qualquer momento, especialmente se as coisas não estiveram a correr tão bem para a banca alemã). Mas não há qualquer interesse em renegociar as dívidas se não for para desbloquear o dinheiro que permita salvar as pessoas. E isso é contrário da austeridade, é o contrário das reformas estruturais, é o contrário da precariedade, do desemprego e dos baixos salários que a Europa da banca, a Europa da Alemanha, quer. A dívida é a desculpa deles para nos assaltarem. Mas hoje já estão disponíveis para assaltar-nos sem usarem sequer a desculpa da dívida. Tudo vale para continuar o saque.

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