Novo apoio a informais segue modelo errado e falta regulamentação a poucos dias de terminar mês da primeira prestação

Com a promulgação do Orçamento de Estado Suplementar pelo Presidente da República, no final da semana passada, entrou em vigor a nova medida de apoio a trabalhadores informais e outros trabalhadores com baixo nível de protecção. Este apoio aplica-se às pessoas que, não estando abrangidas por qualquer regime de protecção social, perderam rendimentos na sequência dos efeitos da pandemia. E também a quem tem poucos descontos e, já estando nas condições de aceder a um dos outros apoios extraordinários, prefira aceder a este (por ser um valor mais elevado). Apesar de ter sido forçado a ceder em vários pontos relevantes, o Governo optou por um caminho que desincentiva quem precisa deste apoio e que acrescenta confusão ao sistema de protecção social, obrigado à integração no sistema durante dois anos e meio sem garantir a devida adequação. No imediato, apesar da medida se aplicar já este mês de Julho, não é claro como se pode fazer o pedido e está ainda por publicar a regulamentação necessária para que o apoio comece a ser pago. Esta regulamentação é essencial para definir como se fazem os pedidos ou as consequências nas obrigações contributivas. A escassos dias do final do mês, não existe ainda nenhuma informação oficial sobre as regras do apoio no site da Segurança Social ou noutra fonte. Ver versão final do Orçamento Suplementar (medida de apoio a trabalhadores informais no artigo 325º-G).

Esta medida prevê um apoio atribuído mensalmente, entre Julho e Dezembro próximos, no valor de um Indexante dos Apoios Sociais (IAS), ou seja, €438,81. Ao garantir este valor de 1 IAS, esta prestação pode representar um apoio mensal de valor superior aos outros já em vigor, sendo possível a quem acede a outro apoio transitar para este. Tal como nas outras prestações extraordinárias, para aceder a este apoio é necessário comprovar, ou declarar sob compromisso de honra, a existência de uma quebra de 40% ou mais dos rendimentos do trabalho, devido à pandemia. Insistindo na opção errada já seguida na medida anterior para os trabalhadores informais (aprovada em Maio), o Governo impõe a quem beneficia deste apoio a obrigação de permanecer no sistema de protecção social durante 30 meses após cessar o apoio. No entanto, depois da pressão dos últimos meses, é introduzido um mecanismo de fiscalização da origem da informalidade, em que a Autoridade para as Condições do Trabalho e a Segurança Social passam a ter de verificar e regularizar as situações de trabalho não declarado.

Ainda assim, mantém-se o princípio geral de inscrição obrigatória no regime dos trabalhadores independentes como contrapartida para beneficiar do apoio – falta ainda a regulamentação, mas as regras parecem indicar que, para a generalidade das situações, é essa a obrigação até haver resultados de uma eventual fiscalização. Para as situações mais comuns, o valor da contribuição durante esses 30 meses será de cerca de 65 euros mensais – embora falte ainda a necessária regulamentação, é isso que parece indicar o que está inscrito na legislação. Este encargo, longo e exigente, mesmo admitindo que garante algum nível de protecção no futuro, desincentiva a adesão a este apoio e acrescenta novamente distorções.

Esta opção é inadequada, porque a maioria das situações de informalidade tem origem no abuso patronal, que nega o contrato de trabalho. A adesão ao sistema de Segurança Social, que defendemos com empenho, não se faz com uma inscrição obrigatória no regime dos trabalhadores independentes, que será inadequado na maioria dos casos. Muita gente que vem de uma situação de informalidade e precisa deste apoio nunca trabalhou de forma independente. em qualquer caso, perante a incerteza dos próximos tempos quanto ao emprego, a inscrição obrigatória na Segurança Social parece mais a retribuição de um empréstimo do que a adesão a um sistema de direitos.

Registamos ainda avanços relevantes para sectores profissionais especialmente fragilizados neste momento crítico. Os advogados passam a ter acesso a apoio, contornando as insuficiências da Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores, que fica responsável pelo pagamento desta medida de protecção. Também as trabalhadoras domésticas passam a estar abrangidas pela protecção no desemprego.

Recordamos que o apoio aos informais atingidos pela crise só chegou depois da forte pressão dos precários e das precárias para que ninguém com quebra ou perda total de rendimento ficasse sem apoio num momento crítico. O Governo anunciou-o com uma forte aposta na comunicação, assumida insistentemente pelo próprio Primeiro Ministro, seguindo uma opção infeliz e errada: associou sempre o acesso ao apoio à obrigação de integração no sistema de protecção social, misturando uma tentativa de culpabilização dos trabalhadores e das trabalhadoras pela sua condição de informalidade. Na sua primeira versão, com a “medida de enquadramento de situações de desprotecção social”, muito limitada no valor (0,5 IAS) e na duração (apenas 2 meses), foi então introduzido o princípio da inscrição obrigatória no regime dos trabalhadores independentes (por 24 meses) – uma opção que, como dissemos na altura, cria distorções. Perante a pressão e a evidência de que essa medida nada resolvia, o Governo viu-se obrigado a apresentar uma nova versão do apoio, incluindo-a na preparação do Orçamento Suplementar, mais concretamente no Programa de Estabilização de Estabilização Económica e Social (ver RCM 41/2020, apoio está previsto no ponto 2.4). A versão final, agora já em vigor, embora com ganhos relevantes em resultado da negociação e da pressão à esquerda, manteve o caminho errado que obriga à inscrição num regime de protecção durante dois anos e meio, desincentivando a adesão de muitas pessoas que dele necessitariam e insistindo em distorções sem sentido no regime de protecção. Para trás ficou um outro diploma, chumbado por uma aliança de circunstância entre PS e PSD, que previa a atribuição de um apoio de 1 IAS a todas as situações não abrangidas pelos outros apoios.

Desde o início da crise sanitária e dos brutais efeitos sociais, o Governo tardou na resposta a quem está numa situação mais frágil e com menos protecção. Optou por implementar medidas insuficientes e que excluíram muitas pessoas, empurrou para a margem vastos sectores precários que já estavam penalizados pela impunidade patronal. A mobilização e a exigência foram forçando o Governo a recuar sucessivamente, tendo sido obrigado a alargar a protecção e a corrigir erros – apesar de ainda muito insuficientes, as sucessivas alterações fizeram diferença para muitas pessoas que ainda procuram seguir a sua vida num contexto de grande dificuldade. No entanto, por opção do Governo, mesmo tendo de ceder, este apoio dificilmente responderá à urgência das muitas pessoas que foram forçadas à informalidade e que, de um momento para o outro, se vêem sem nada.

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