Novo Estatuto do Bolseiro de Investigação:: A Precarização Agudiza-se

O novo estatuto do Bolseiro de Investigação agrava a situação dos bolseiros, pois continua a não reconhecer que os investigadores são trabalhadores, retirando-lhes desta forma a protecção social devida. Os bolseiros são prejudicados na sua carreira contributiva, e continuam sem acesso a subsídio de desemprego, de férias ou o 13º mês. Por outro lado, a mobilidade na investigação, fundamental para a carreira científica, é fortemente limitada por restrições orçamentais que, ao invés de analisarem casuisticamente cada situação, aplicam um corte cego em todas as bolsas.

 

Este texto resume a perspectiva do grupo de bolseiros da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis sobre o novo estatuto do Bolseiro de Investigação. Consideramos que a única forma de contrariar a fuga de cérebros vigente passa pela melhoria das condições de trabalho e pela criação de condições de progressão na carreira para os investigadores. Concretamente, exigimos a actualização do valor das bolsas e a ratificação da Carta Europeia do Investigador.

No final de Agosto foi aprovado o novo estatuto do Bolseiro de Investigação (disponível aqui). Segue-se a análise feita a este documento pelo grupo de bolseiros da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis. Este Regulamento coloca ainda mais entraves aos bolseiros, retirando-lhes várias ajudas essenciais para a sua formação e desenvolvimento do seu percurso académico. O novo estatuto do Bolseiro de Investigação (EBI) remete os investigadores para uma situação de contínua precariedade, desvalorizando o seu conhecimento e dedicação pelo trabalho científico que todos os dias desenvolvem. Deixam de ser surpreendentes os dados do Instituto do Emprego e Formação Profissional, segundo os quais o número de portugueses com curso superior que emigraram, anulando a sua inscrição nos Centros de Emprego subiu 49,5% entre 2009 e 2011, configurando uma “fuga de cérebros”.

Permanência do abuso da condição de bolseiro pelas instituições

No artigo 2º do Estatuto do Bolseiro encontram-se definidos os moldes em que as bolsas podem ser atribuídas. Este artigo tem sido aplicado de forma abusiva, e é possível encontrar bolseiros a realizar trabalho administrativo e a suprir funções permanentes. É relativamente fácil para as instituições de acolhimento contornar o Estatuto do Bolseiro de várias formas e utilizar esta mão-de-obra altamente qualificada, para realizar trabalho científico a autêntico preço de saldo. A Fundação para a Ciência e Tecnologia é conivente com a exploração dos bolseiros, não realizando acções de inspecção às instituições que acolhimento que abusam do Estatuto do Bolseiro para fazer contratações que preencham funções administrativas e permanentes, em vez de darem aos trabalhadores o contrato de trabalho legal e devido.

Valor das bolsas inalterado

O programa PRAXIS XXI, aplicado de 1994 a 1999, marcou um retrocesso nos direitos dos bolseiros e permitiu o alargamento do fosso entre bolseiros e investigadores. Apesar de, em muitos casos, ambos realizarem trabalho igual, têm reconhecimento diferente. Antes da aplicação do PRAXIS XXI, o valor das bolsas encontrava-se indexado ao valor do salário anual líquido dos docentes universitários com habilitações equivalentes, e havia uma actualização do valor das bolsas sempre que os docentes universitários viam os seus salários actualizados. A dura consequência desta alteração é que a última actualização do valor das bolsas data de 2002, o que significa que, 10 anos volvidos, o poder de compra dos bolseiros diminuiu 20,7%.

Perpetuação do não reconhecimento da relação laboral e dos direitos inerentes

De acordo com o novo EBI, o bolseiro continua a não ver reconhecidos os seus vínculos de natureza jurídico-laboral nem de prestação de serviços. Apesar de produzirem conhecimento e de efectuarem trabalho científico, os bolseiros não são vistos como trabalhadores. Como consequência, o acesso à Segurança Social é considerado não um direito mas um extra, do qual se poderá usufruir, pagando o Seguro Social Voluntário, que é meses depois reembolsado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT). Esta situação tem implicações gravíssimas. Por um lado, o EBI restringe o acesso ao Seguro Social Voluntário a bolsas com duração mínima de 6 meses, pondo de parte todos os bolseiros que estão numa situação ainda mais precária, cujas bolsas têm uma duração inferior. Por outro lado, o Seguro Social Voluntário reembolsado pela FCT é apenas proporcional ao Indexante do Apoio Social, e não ao vencimento real que os bolseiros recebem. Desta forma, os bolseiros são desconsiderados em relação a outros trabalhadores porque não descontam para a Segurança Social de acordo com a sua remuneração, danificando a sua carreira contributiva. Agravando mais a situação, os atrasos nos reembolsos pela parte da FCT chegam a ser superiores a meio ano, e muitos bolseiros acabam por não conseguir esperar tantos meses pela restituição deste valor, deixando de o pagar, o que os impede de usufruir deste sistema de protecção já por si insuficiente.

Caso os bolseiros não estejam enquadrados na Segurança Social, em casos de doenças com duração superior a 30 dias, maternidade, paternidade, adopção, assistência a menores doentes, assistência a deficientes, assistência a filhos e assistência à família nas condições e pelos períodos estabelecidos na lei geral aplicável aos trabalhadores da Administração Pública, o pagamento da bolsa será suspenso. Se este usufruir do Seguro Social Voluntário, terá direito aos pagamentos da Segurança Social proporcionais ao 1º escalão (1 x Indexante do Apoio Social), e não ao valor da bolsa. Como os bolseiros não são reconhecidos como trabalhadores, não existe qualquer subsídio de desemprego atribuído no período entre bolsas. Estas situações não são incomuns e podem atingir largos meses nos quais os bolseiros continuam a trabalhar sem qualquer rendimento ou apoio social face ao desemprego.

Redução nas oportunidades de mobilidade dos bolseiros

A mobilidade do bolseiro, uma das características mais importantes na carreira científica, é fortemente dificultada pelo novo EBI. O subsídio de viagem e o subsídio para participação em conferências científicas passa a ser atribuído apenas uma vez durante a bolsa em vez de ser anual. A permanência no estrangeiro, antes concedida por um período máximo de 3 meses por ano no caso de bolsas nacionais passa a ser de apenas 3 meses na duração total da bolsa. Da mesma forma, a permanência no estrangeiro no caso de bolsas mistas fica limitada a um período máximo de 2 anos em toda a bolsa, em vez de 9 meses por ano. Estas três medidas conjugadas põem ainda em risco o trabalho realizado em certas áreas científicas que não se adequam a estes tempos tão reduzidos. A transferência de conhecimento, tão preconizada em documentos da FCT e a capacidade dos bolseiros divulgarem o seu trabalho por instituições no estrangeiro ficam assim em sério risco.

Do mesmo modo, no novo EBI, a possibilidade de tirar o doutoramento no estrangeiro é igualmente ameaçada e coloca os bolseiros a fazer contas à vida. Se a aposta da FCT era aumentar o número de doutorandos em Portugal, devia ter criado melhores oportunidades de financiamento para quem decide cá ficar, dando mais dinheiro de propina às instituições nacionais. Em vez disso, a FCT fez apenas um corte cego no valor do pagamento da propina no estrangeiro, passando de €12.500 para €5.000, uma redução de 60%. Escolheu um caminho fácil e errado. Não teve em conta que o valor das mesmas diferem em cada país de acolhimento e que devia, à semelhança do que é feito para várias bolsas europeias, indexar um valor para cada país.

FCT mantém a ofensiva mas apresenta o Provedor do bolseiro e a possibilidade de majoração das bolsas por parte das instituições

As únicas aparentes vantagens que o novo EBI traz são a criação de um Provedor do Bolseiro e possibilidade de majoração da bolsa. No primeiro caso, é uma tentativa de tirar a capacidade de protesto aos bolseiros, inventando a figura de um intermediário. Agora, quem nos deve dar esclarecimento e com quem devemos contactar é o Provedor, tirando esse peso do seu verdadeiro responsável, o Ministro da tutela, Nuno Crato. No segundo ponto, é um pretenso rebuçado que apenas beneficiará uma percentagem muito residual dos bolseiros, pois a maioria das instituições de acolhimento depende fortemente do dinheiro da FCT, não dispondo de financiamento externo suficientemente relevante para aplicar esta medida.

A “fuga de cérebros” e a ausência de uma carreira de Investigação científica

Os bolseiros de investigação científica, que em muitos casos o são por não existir uma carreira de investigação científica que dê origem a contratos de trabalho e a progressão na carreira, enriquecem o nome das instituições que os acolhem e a investigação em Portugal. Só dando um forte e comprometido incentivo à ciência em Portugal e apostando na melhoria nos direitos e condições de trabalho dos bolseiros é que podemos contribuir para a desejada excelência da ciência nacional. Só assim o trabalho científico realizado pelos bolseiros será reconhecido e valorizado e se conseguirá estancar a fuga de cérebros.

Para contrariar este cenário em que cada vez mais nos afastamos da realidade europeia, o que inevitavelmente conduz à fuga de cérebros, é necessário criar regras sobre a actualização do valor das bolsas, para que os bolseiros não continuem a perder poder de compra a cada ano devido à inflação. Por outro lado, a 11 de Março de 2005, foi homologada a Carta Europeia do Investigador. Esta Carta estabelece um Código de Conduta para o Recrutamento de Investigadores no espaço da União Europeia, reconhecendo que o trabalho do Investigador começa logo a seguir à sua graduação e estende-se a todos os outros níveis superiores. Para além do contrato de trabalho, a Carta Europeia do Investigador estabelece ainda que é dever das entidades empregadoras e/ou financiadoras garantir ao Investigador condições de financiamento e/ou de salários com regalias de Segurança Social, onde o direito ao subsídio de desemprego e a colocação no escalão correcto são asseguradas. Parece-nos incontornável que a solução para repor justiça tem de passar pela ractificação da Carta Europeia do Investigador por parte das instituições nacionais.

Se te quiseres juntar ao grupo aberto de Bolseiro da Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, contacta-nos através do e-mail: precariosinflexiveis@gmail.com

No seguimento das várias ofensivas que têm sido feitas aos bolseiros, a Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis, em conjunto com a Comissão de Bolseiros da FCUL e de Aveiro (algumas das organizações promotoras da Carta Aberta “Sem ciência não há futuro”) organizam um ciclo de debates nacionais “Debates pelo futuro dos bolseiros” que se realizaram em Lisboa e Porto, terminando em Coimbra em Janeiro (data e local a anunciar).

Faz aqui o download do texto no formato PDF.

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