Novo regime do trabalho científico: oportunidade perdida de atacar a precariedade

Entra esta quinta-feira em vigor o novo regime de contratação de doutorados. Este diploma fica aquém do que é necessário para acabar com a precariedade na Ciência e Tecnologia em Portugal. O diploma, segundo o seu prelúdio, visa a contratação mais generalizada de doutorados em instituições do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN), de modo a “reforçar o emprego científico”. Não o faz. Aplica-se apenas a uma pequena parte da comunidade que trabalha e mantém este Sistema.

heitor

A Associação de Combate à Precariedade – Precários Inflexíveis tem nos últimos anos lutado pela conversão das bolsas em contratos de trabalho, com vinculação de quem trabalha em Ciência e Tecnologia às Instituições onde trabalham e a ratificação da Carta Europeia do Investigador. Este diploma apresenta pontos positivos a assinalar, nomeadamente a contratação de doutorados através da celebração de um contrato de trabalho (com todos os direitos associados) com a instituição de acolhimento, o fomento da adesão aos princípios da Carta Europeia do Investigador e a promoção da avaliação dos candidatos baseada em critérios que se baseiam na qualidade do trabalho científico e não em métricas falíveis, como o factor de impacto das revistas científicas.

O diploma fica, no entanto, muito aquém do que é necessário para acabar com a precariedade em Ciência e Tecnologia. Os contratos de trabalho regidos por este diploma são sempre contratos a prazo (de três anos, renováveis por mais três, excedendo a limitação geral de três anos de contrato a prazo e favorecendo assim a precariedade), implicando que em vez de bolsas sucessivas, quem trabalha nos centro e quem investiga tenha agora no seu futuro contratos sucessivos. Este diploma não contempla a integração dos doutorados na carreira de investigação científica, originando assim a possibilidade de haver carreiras paralelas – a dos investigadores precários que vivem de contrato em contrato e a dos que realmente estão inseridos na carreira de investigação científica, com a estabilidade laboral que essa carreira contempla. Para além disso, apesar de promover uma avaliação com critérios mais justos, a avaliação dos candidatos é feita pelos centros de investigação e não por um painel independente (como acontecia com as bolsas da FCT), o que poderá gerar avaliações menos transparentes e mais dispares de centro para centro. Finalmente, os contratos propostos são apenas para doutorados, no entanto, há muitos trabalhadores em Ciência e Tecnologia que dão apoio ao funcionamento dos laboratórios e centros de investigação e que são essenciais para um tecido do SCTN saudável, que também deveriam ter direito a contratos de trabalho e à integração na carreira científica.

Acabar com a precariedade passa por aumentar o investimento em Ciência e Tecnologia e fazê-lo de uma forma estruturada, que não mude com os diferentes governos e que tenha datas de concursos frequentes e bem definidos. Passa igualmente por haver uma possibilidade real de integração na carreira de investigação científica, sem que haja uma carreira paralela com menos direitos e menos estabilidade. É urgente uma revisão do diploma que rege a carreira de investigação científica, para se adequar à realidade actual, contemplando nomeadamente a contratação de não doutorados para pessoal de apoio à investigação. Só assim conseguiremos ter um SCTN equitativo, produtivo e livre de precariedade, o único apto para atrair e manter as melhores investigadoras e investigadores.

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