"O atoleiro em que estamos metidos"

Divulgamos aqui o texto de um economista, Jorge Bateira, publicado no blog Ladrões de Bicicletas que denuncia algumas das drásticas consequências das recentes medidas de austeridade e apela à greve geral e à mobilização dos trabalhadores:
 
“Nos últimos dias o Banco Central Europeu tem anunciado que vai rever a sua política de financiamento dos bancos, o que representa um aviso aos governos da periferia da UE.

Assim, o esquema lucrativo de pedir emprestado ao BCE a uma taxa de 1% para depois emprestar ao Estado português a uma taxa superior a 6% através da compra da nossa dívida pública parece condenado a acabar. Com menos operações lucrativas, os bancos serão ainda mais selectivos na concessão do crédito às empresas e particulares. Consequentemente, haverá menos crédito de tesouraria às empresas e mais desemprego, o que arrasta mais despesa em subsídios e menos receita fiscal por via da retracção da actividade económica.


A recessão produzida pelas medidas de austeridade será então agravada pela nova política monetária do BCE. A que se pode vir a juntar a decisão de subir a taxa de juro devido à inflação vinda do lado da oferta (subida dos preços dos combustíveis e subida do IVA). Note-se que o mandato do BCE só fala da inflação. Em caso de conflito de objectivos, as recessões são secundárias para os monetaristas de Franckfurt.

Um leigo nestas matérias naturalmente fica perplexo. Os sacrifícios que se diz serem “inevitáveis e para nosso bem” não só não vão produzir os benefícios com que foram justificados – os “mercados” continuam assustados e já cobram taxas a caminho dos 7% – mas também vão transformar a presente estagnação em recessão e, consequentemente, negar o objectivo da política. Juntando a “ajuda” anunciada pelo BCE, a recessão converter-se-á em depressão e catástrofe social.

Tudo aponta para que Portugal acabe por recorrer ao FMI para ao menos pagar uma taxa de 5% na tentativa desesperada de travar o “efeito bola de neve” na dívida. Com a recessão na Grécia a tornar evidente que não vai poder cumprir o serviço da dívida, e com a Irlanda a enterrar-se na recessão e num défice superior a 30% para salvar os accionistas dos seus bancos, temos as condições perfeitas para uma agudização da crise do Euro.
Um cenário desta natureza inevitavelmente suscitará acesa discussão no seio do Conselho Europeu. Começam a criar-se as condições para mais um episódio de confronto entre a França (possivelmente apoiada pela periferia europeia) e a Alemanha (certamente apoiada pelos países onde domina a histeria do défice público). Mais tarde ou mais cedo chegará o dia em que a Alemanha vai dizer ‘basta’. Quando e como, ninguém sabe. Estamos a viver a História em tempos de incerteza radical.

Não podendo determinar o curso da História, ainda assim podemos influenciá-lo no sentido que mais nos convém. Uma greve geral, acompanhada de manifestações de rua, dá força a uma saída do atoleiro em que estamos metidos, uma saída que faça pagar a factura aos que produziram a crise e dela beneficiam e que permita lançar as bases de um modelo de desenvolvimento sustentável.

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