O Banco de Portugal e o índice alienígena

O Banco de Portugal apresentou ontem um relatório onde, através do cálculo do índice cambial efectivo real, “demonstrou” que os salários no país deviam ser reduzidos em 10%. A imprensa apresentou este índice de forma acrítica, dizendo que os salários têm de cair ainda mais para o país ganhar “competitividade” em relação à Europa. Mas com os cortes sucessivos, com os salários reais mais baixos da Europa e com um custo de vida elevado como aquele que existe no país, a pergunta fica: Teremos de ser competitivos até morrermos à fome?

Este índice complexo, que deflacciona as exportações pelos custos unitários do trabalho, é uma pretensa medida de avaliação de competitividade e de tendências macroeconómicas, mas o tratamento e interpretação que lhe é dado pelo Banco de Portugal revela uma perspectiva enviesada dos produtores do relatório: a questão das importações nem é referida, nem os produtos que são exportados, ou a falta de valor acrescentado, etc.. 

Num país em que o poder de compra é inferior em 23 por cento à média europeia, em que pelo menos 605 mil ganham o salário mínimo e em que mais de 1,3 milhões estão desempregados e 2,2 milhões têm contratos precários e instáveis é preciso um alheamento muito grande da realidade para apresentar propostas destas.
Em Portugal cada vez se trabalha mais horas por menos salário, a precariedade e o desemprego aumentam constantemente. Este anúncio de um índice “alienígena”, mal explicado e interpretado apenas por uma das suas componentes (e mal), que justificaria baixar ainda mais os salários é apenas mais uma ferramenta propagandística para tentar dizer que o problema do país não passa de um problema técnico que nada tem que ver com política. A estrutura produtiva e económica do país foi uma escolha. O desmantelamento de sectores produtivos social e economicamente úteis e historicamente relevantes no país foi uma escolha política. Assim como tem sido uma escolha política ter os salários mais baixos da Europa, entregando um  valor desmesurado da exploração às entidades empregadoras. Reclamar que os salários mais baixos da Europa têm que descer para ser competitivos é como dizer a um berbere no deserto que chega a um Oásis que neste momento se está a poupar água e que portanto é proibido beber.
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