O fim da greve?
Não, não se desconvocou nenhuma greve. Ainda se luta neste momento contra a regressão histórica, contra a recessão económica, contra uma sociedade dividida entre cidadãos de primeira e subcidadãos de várias categorias. Ameaçados com requisição civil e até com a intervenção militar para travar uma greve às horas extraordinárias, hoje chegámos ao apogeu da chantagem não sobre apenas os estivadores mas sobre toda a gente que trabalha. A Confederação Patronal portuguesa hoje defendeu publicamente a alteração da Lei da Greve.
A luta encarniçada dos estivadores contra a legislação que o governo lhes quer impôr (e a todos nós) valeu-lhes de tudo, desde serem chamados de preguiçosos a milionários, passando pela cómica acusação de roubarem as prendas de Natal às criancinhas. Mas o modus operandi da classe dominante em Portugal é já conhecido de todos. Avançar com o indizível e torná-lo mais dizível. Foi assim quando Passos Coelho disse que não haveria cortes nos 13º e 14º mês, para depois impô-los. Quando os empresários da CIP disseram que era preciso um corte na TSU e Passos jurou que jamais, para meses depois propô-lo como legislação. Hoje, a Confederação dos Patrões defendeu a necessidade de alterar a Lei da Greve, deixando claro que uma greve só pode ser legal e lícita quando não afecta os interesses dos patrões – “a licitude tem também a ver com a proporção dos interesses afetados” disse Gregório Novo, director-geral adjunto da patronal.
Os patrões defendem esta alteração de qualquer maneira que tiver que ser: desde a legal à ilegal, impondo a vontade dos 1% à sociedade portuguesa. “A CIP há muito que tem dito que a Lei da Greve precisava de ter outro tipo de aproximação. Tem-se fundamentado essa impossibilidade de alteração na própria Constituição, mas temos seríssimas dúvidas que a própria constituição não legitimasse uma regulamentação diferente para a greve, nomeadamente no domínio da definição do que são greves lícitas e ilícitas”, isto é, a CIP acha, como o Governo de Passos Coelho, que pode não ser necessário mudar a Constituição da República – o que daria muito trabalho – basta ignorá-la. Mas se for possível alterar, legitimando ainda mais a retirada de direitos e capacidade reivindicativa dos trabalhadores, o dirigente da CIP defendeu que “a oportunidade para uma alteração legislativa surge da necessidade (…), e é indiscutível que estamos em verdadeiro estado de necessidade”. “O país precisa de alguma forma de sair da situação em que se encontra”, argumentou. É verdade. E as únicas formas que os trabalhadores e população em geral têm para se defender dependem naturalmente das organizações (que governo e patrões desmantelam com o ataque à negociação colectiva), das manifestações e das greves. Hoje estamos em confronto aberto, e a luta dos estivadores representa bem os sectores em luta – patrões contra trabalhadores – e todas as tácticas rasteiras que em particular a classe dominante está disposta a utilizar: “os portos em greve possam vir a ser operados por militares”, dizem os agentes de navegação; “as empresas portuguesas não podem nem aguentam o arrastamento da greve” diz a AICEP, “a greve dos estivadores pode pôr em causa os postos de trabalho”, diz João Proença da UGT; e a acusação que demonstra o ridículo de toda a campanha movida contra os grevistas, de que as crianças vão ter “Natal sem prendas por causa da greve dos estivadores” segundo a Associação Comercial de Lisboa. A força da greve às horas extraordinárias dos estivadores pôs o ónus exactamente onde ele deve estar: no papel crucial que todos os trabalhadores têm dentro da economia e da defesa dos seus direitos, pois são fundamentais para que a economia funcione. E em pleno mandato de um governo que está a destruir activamente a economia com a receita troikista, acusar uma greve de estar a prejudicar o país é o cúmulo do cinismo. Mas é este o ataque que temos pela frente. E a greve é uma das armas mais importantes que temos nas mãos. Estivadores e conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras. A força de obrigarmos a economia a parar e obrigarmos todo o mundo a constatar que a economia é exactamente isso: quem trabalha. Mudar a Lei da Greve é um ataque a toda a população e a todos os direitos democráticos. Ter o direito de parar é ter o direito de sermos donos do que fazemos e de reconhecermos o imenso papel que desempenhamos na sociedade e na economia. Parar significa deixar de dar a ganhar aos patrões uma parte tão grande daquilo que produzimos em troca de salários de miséria.
Mudar a Lei da Greve no sentido de permitir que ocorra apenas quando não afecta os interesses que a greve deve afectar é a mesma coisa que pedir-nos a única arma que temos e devolvê-la sem balas. A única resposta a qualquer tentativa de mudança na Lei da Greve só pode ser uma… Greve.
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